domingo, 1 de julho de 2012

Uma realidade nada romantica


Dentro da Corporação dos Fuzileiros Navais havia um EUA diferente. Havia uma fraternidade amalgamada na farda e no fuzil que extrapolava os problemas de raça, casta e local de nascimento que assolava a população civil. Lá eles eram poucos, lá eles eram escolhidos a dedo. Lá eles eram fiéis uns aos outros e acima de tudo, lá eles eram irmãos.

Bino somente podia passar o final de semana em casa e andava sempre exausto e sobressaltado. E isso aborrecia Cindy ainda mais. Ela não queria saber da história de camaradagens entre os Marines e não queria conhecer os seus amigos de farda. E isto afetava ainda mais a normalidade do casamento, mas ambos pediam a Deus para a chegada do final da guerra - que parecia estar se aproximando. Nixon proclamava que o fim da guerra estava perto e o número de tropas no Vietnam continuava a cair. Os bombardeiros B-52 lançavam uma chuva de bombas de todos os tipos no Vietnam do Norte e o Vietcong se refugiou em Camboja



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Mas esta movimentação militar para o Camboja criou um surto militar exigindo mais botas atuando no conflito - e Bino foi mandado para o Vietnam.

Deste período pouco se sabe, pouco foi falado.  Mas uma coisa é certa: algo de muito ruim aconteceu por lá – e ao retornar da guerra Bino nunca mais falou sobre esse assunto.

Ele serviu trezentos e vinte e quatro dias e sete horas. Ele não estava bem e procurou ajuda com Jerome Moore, ex-sargento do Bino, veterano Marine que servia seu terceiro turno no Vietnam. Já havia se tornado um viciado em adrenalina, Jerome parecia a ter dependência química de guerra.

Jerome reportou aos superiores que o Cabo Tedesco necessitaria de uma “descompressão” de estresse de combate, antes de voltar a vida civil e assim foi feito: Bino retornou a Los Angeles via Alemanha.

Lá ficou no LAMARC, ou Landstuhl Centro Médico regional em Rheinland-Pfalz, para uma desintoxicação. O colocaram num programa de reabilitação chamado "cold turkey", ou seja, foi colocado numa cela estofada, lhe davam muito sedativo, e obviamente nada de álcool ou drogas. Uma parada completa e total.

Bino pensou que ia morrer e fingiu que estava parando de beber para não morrer no tratamento. Quinze dias depois, sob tranqüilizante ele foi recambiado com outros soldados aos EUA, para mais tratamento em regime semi-aberto no Hospital de Veteranos Militar em Los Angeles indo depois ele a morar temporariamente com o Jerome

Do Vietnam ele trouxe poucas coisas boas e umas conclusões pessoais das quais umas faziam sentido e outras eram tanto esdrúxulas: concluiu que “todas as guerras são estúpidas e deveriam ser lutadas pelos políticos e seus filhos – e assim não haveria mais guerras”.

Bino tornou-se irritadiço com o Zé-povinho agitador de bandeiras em demonstrações cívicas e sempre dizia: “patriotismo de guerra é coisa de idiotas.”

Também voltou da guerra afirmando que “ninguém luta por um país ou causa. Se luta pelos irmãos do pelotão, pelo irmão chafurdado numa trincheira, ou sob fogo do inimigo”. Também dizia que “patriotas aguerridos” que não participaram de guerra “era um bando de babacas e covardes, masturbadores mentais que gozam com o pinto dos soldados.”

Só no Vietnam Bino descobriu o significado da tatuagem do Alabama Steve: Era a marca registrada da Primeira Cavalaria Aérea, e seu característico Az de Espada da Morte a ser colocado nos bolsos, sobre, ao lado ou de preferência na boca do Vietcong morto - para espalhar o terror entre o inimigo.

As iniciais D. F. A era o moto da Cavalaria Aérea: Death From Above, “Morte Vinda de Cima”. A Air Cav também fazia parte da Guerra Psicológica, composta na maioria de guris pirados, Muitos voavam seus helicópteros, pulverizando as capoeiras com fogo intenso de suas metralhadoras, derrubado árvores com seus mísseis e crivando de balas qualquer ser humano que corresse debaixo dos helicópteros vestidos de pijamas negros

Na guerra ele também começou a entender a cabeça do amigo Alabama Steve e as suas constantes loucuras, seus excessos quase suicidas e seu descaso pela vida.

À medida que as baixas americanas cresciam, a retaliação da Morte Vinda de Cima ia ficando cada vez mais feroz - e democrática: Matava-se a todos e a tudo indiscriminadamente. Das vacas, aos cachorros; do velho ao jovem que pareciam ser Vietcong. O Marine ou soldado recém chegado ao Vietname achavam a Air Cav indisciplinada e cruel. Mas os veteranos sabiam que eles muitas vezes eram a salvação de um Pelotão ou Companhia. Quando cercados por inimigo além do alcance dos canhões navais, em locais inacessíveis para tropas mecanizadas, ou bombardeio de aviação, havia sempre um último recurso para o resgate: Era a Cavalaria Área, com seus loucos e suicidas, arriscando - e muitas e muitas vezes perdendo - as suas vidas para salvar os soldados sitiados.

Entre eles as baixas eram altíssimas e a morte por suicídio e drogas era comum. Muito de seus helicópteros tinha alto-falantes que tocavam de músicas clássicas a rock and rolls – dependendo do oficial no comando, do local ou da combinação de droga e álcool usada por alguma pessoa em um determinado dia.

A frustração dos soldados era imensa. Ao final da guerra, em Saigon não se podia confiar nem na própria sombra. Crianças armadas de explosivos plásticos ou com caixas de engraxate carregadas de explosivo mataram muito guri recém chegado, cheio de compreensão e amor pela humanidade. A população rural vivia coagida entre as tropas americanas e o Vietcong. Se eles ficassem neutros eram mortos pelo Vietcong como colaboradores. Se pegassem em armas para não serem tido como colaboradores, imediatamente se tornavam Vietcongues e a eles chegavam à morte: Por bombas Napalm, pelo chão pelo mar e pelo ar.



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Depois do Vietnam, Bino nunca mais foi o mesmo. Ao procurar seu lar, este não mais existia e Cindy havia sido despejada e havia desaparecido. Bino foi morar em Redondo Beach com o Jerome, seu ex-sargento que havia regressado a Califórnia dois meses antes - após cumprir o seu terceiro turno no Vietnam.

Eles dividiam a despesas no apartamento enquanto Bino procurava um lugar para si próprio.

domingo, 17 de junho de 2012

Vietnã - a sombra da guerra encobre Bino


Mas, parafraseando o velho adágio, tudo que é bom, dura pouco, quando a vida do casal parecia andar cada dia melhor, Bino recebeu uma carta do governo americano que ameaçava a desconstrução da bonita história que eles tinham começado a criar: Bino estava sendo convocado para a guerra do Vietnam.

Já se falava por todos os Estados Unidos na “vietnamização” desta maldita guerra e que as tropas dos EUA estavam sendo drasticamente reduzidas na área de conflito e quando tudo parecia estar indicando o final da guerra e o retorno das tropas americanas, eis que ao apagar das luzes chega esta maldita carta para Bino se apresentar às forcas armadas.

Cindy chorou muito e xingou a guerra, o governo, os políticos e chorou muito mais ainda. Chegou até a propor a Bino para eles se mudarem para o Canadá – país que recebia os jovens que se recusavam a lutar no Vietnam.

Claro, Cindy sabia que voltar ao Brasil poderia ser ainda mais perigoso para Bino e ela realmente não sabia o que fazer. Uma hora ela dizia que queria um filho para diminuir as chances de Bino ir para o Vietnam. Outra hora falava que ele devia se declarar um “CO” um Conscience Objector - termo significando Objeção de Consciência pela guerra - e tentar a sorte em obter um alistamento sem pegar as armas. Mas sendo Bino estrangeiro, ele corria o risco de deportação; enfim, a Cindy não sabia o que fazer.

Um dos companheiros de trabalho de Bino sugeriu que ele deveria se casar logo com a Cindy e não se recusar a fazer o treinamento militar básico que duraria dez meses. Neste período a guerra certamente estaria terminada e mesmo que não estivesse já deveria estar chegando ao fim; nesses dez meses haveria uma redução drástica de tropas americanas e os recrutas casados certamente não seriam convocados.  E foi mais além o amigo, explicando que se a Cindy estivesse grávida haveria ainda menos chances de Bino ir para o Vietnam.



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Os anos sessenta e setenta nos Estados Unidos, e, mormente na Califórnia eram tempos e dias loucos.

Era época de protesto contra a guerra no Vietnam, de distúrbios sociais; de demanda dos negros por sua integração social e protestando a segregação racial ateando fogo em Agosto de 1965 na Cidade de Watts, um gueto negro na Califórnia. Para dominar a revolta foram necessários quatorze mil Guardas Nacionais e mil e quinhentos policiais.

Depois, revolta e protestos pela morte do líder Dr. Martin Luther King em Abril de 1968; Em Nova Iorque, em Woodstock foi feito o “mais famoso evento na história do Rock and Roll” segundo o Rolling Stones, com a presença, do Grupo Graetful Dead,, Blood Swet and Tears, Joan Baez, Santana, Janis Joplin e muitos outros incendiando os espíritos da juventude com sentimentos de protesto contra a guerra do Vietnam. Lá entre a multidão de jovens contestando os valores, protestando a guerra e curtindo a vida deles, estava  a Gandira, a amiga do Bino.

Califórnia estava em pé de guerra. Havia uma subcultura de drogas e alienação a valores estabelecidos por parte dos hippies e também a antítese do movimento hippie que era a onda dos Krishina que buscavam a essência da vida por meio da espiritualidade, via hinduísmo. As drogas rolavam soltas, a juventude andava sem rumo. Religiões formais e estabelecidas e valores familiares eram contestadas criando-se um ambiente favorável a procriação de gente como Charles Manson e seus seguidores. A juventude andava perdida e mal encaminhada em muitas áreas.

As universidades fervilhavam com todos os tipos de protestos. Muitos campi se tornaram campo de batalha, como o da Universidade Estadual de Kent, no Ohio onde quatro estudantes foram mortos. Quatrocentas universidades e Colleges se fecharam em protesto. Nixon perdeu cinqüenta por cento de sua popularidade. Havia também uma guerra interna entre o governo aguerrido e uma juventude desiludida, rebelde e combativa que abominava a cultura alienada, materialista, engessada e suburbana que se criou na América depois II guerra.

                                          * * * * * * * * * * *  * * *





Para complicar ainda mais, a Guerra do Vietnam também contribuiu para o distúrbio social, especialmente durante a presidência de Richard Nixon: Para a guerra iam proporcionalmente mais negros e outras minorias, do que brancos. Para ser bucha de canhão não havia descriminação racial e ao contrário – percebiam os negros – havia até preferência a gente de cor. E novamente, os Negros se rebelavam também contra a guerra.
Mas uma coisa era comum a todos os soldados, independentemente de raça, a guerra os transformava: Ela retorcia estes adolescentes armados e os recambiava aos seus locais de origem transformados numa juventude violenta, desiludida, cínica e desnorteada - e mutilada física e mentalmente.
Muitos voltavam da guerra usando do haxixe a heroína - além de muletas e cadeiras de roda. A taxa de suicídio entre estes retorcidos era alta e também o índice de distúrbios mentais e violência. O Vietnam quase acabou com uma inteira geração de guris americanos que foram à luta.
Não era muito fácil ser “careta” nesse tempo na Califórnia. Como Gandira deveria dizer lá no Retiro Krishina de Ibiraçu, “são tempos de Kaliuga”, tempos de destruição.
E Bino se adaptou a esta Califórnia louca, livre, linda, violenta e desregrada: Ele e a Cindy conseguiam viver tranquilamente no meio dessa loucura, não exatamente como monges - mas também não como a garotada da pesada.

                                                           * * * * * *

O pagamento mensal militar de treinamento básico no exército era uma esmola de ajuda de custo - e isto sacrificava o pagamento das despesas da casa. Bino então decidiu se alistar na Marine Corps, os Fuzileiros Navais, um grupo militar de elite, onde poucos eram selecionados e que exigia treinamento rigorosíssimo. Mas nos Marines o pagamento durante o treinamento e combate era bem melhor.
Cindy estava deprimida com a situação militar do marido e este se recusava a fugir para o Brasil ou Canadá. Para Bino não fugir dos EUA, perversamente em sua mente de jovem, era uma questão de honra, de não ser chamado de “desertor” ou “covarde”.  Era algo que ele não sabia explicar bem, que ele não achava lógico ou acertado – porém não podia agir de outro modo.
Ele foi mandado para o campo de treinamento básico dos Marines em Pendleton no Condado de San Diego, localizado entre as cidades de San Clemente e Oceanside, a uma hora e meia de carro de Los Angeles em dias de tráfego favorável.
A sua folga era pouca. O treinamento de doze meses era duríssimo e longo.  Muitos não passavam a prova de fogo e eram rejeitados. Os que permaneciam era chamados “The few, the proud, the Marines” – Os poucos, os orgulhosos, os Fuzileiros Navais - e Bino gostou de ser um dos poucos escolhidos entre muitos chamados.
Também havia uma camaradagem imensa entre “os escolhidos”. O lema dos Marines é “Semper Fidelis” e eles realmente eram fiéis uns aos outros.







domingo, 20 de maio de 2012

SEXO, DROGAS E ROCK'N ROLL


Na última noite na Associação Cristã de Moços, nos EUA chamada YMCA, Bino desceu as nove em ponto, de jeans, tênis e uma camisa pólo branca e contrastava muito com a sua pele queimada das estradas. Passara-se o tempo e nada do Steve.

Às dez e quinze da noite Bino subiu ao seu quarto, abriu um pouco a janela e como o Steve, acendeu um Winston e fumou devagar soprando a fumaça para fora do quarto. Já se preparava para dormir quando em frente do albergue parou o Fusca vermelho da Jo Ann, ela no volante. Steve abriu a porta do carona e gritou:

Brazilian, Brazilian, saia de sua toca que o mundo te espera!

Em seguida a Jo Ann deitou a mão na buzina rouca e fez um escarcéu no meio da confusão já existente na rua.

Bino desceu rápido, foi cumprimentado pelo Steve que já estava com uns drinks na cabeça e sentou-se no banco de trás, com uma moça amiga de Jo Ann, chamada Cindy. O carro arrancou rápido e Steve foi apresentando todo mundo:

Brazilian, aqui no volante esta a Jo Ann, minha noiva é a mais bonita mulher de Los Angeles.

– Olá, Jo Ann. Parabéns; eu creio que Steve está certo.

– Ah não comece você também com esta baboseira. O Steve fala isto de todas as namoradas.

– Do seu lado é a segunda mulher mais Bela de Los Angeles, a nossa querida Cindy.

Antes de o Bino abrir a boca a Cindy perguntou: – Você tem um nome?

– Sim tenho. Meu nome é Bino. Bino Tedesco.

– Suponho que você é do Brasil, não é mesmo?

– É do Rio?

– Não sou de lá. Nasci em Vitoria, a seiscentos quilômetros ao norte do Rio.

– Cindy roubou o cigarro acesso do Steve e perguntou:

– E o que faz você nesta merda aqui, disse ela e gesticulando com a mão as redondezas.

– É uma estória muito comprida e cansativa que não quero falar agora.

– Poxa, já começou com a santa inquisição, Cindy? – reclamou a Jo Ann.

– Cindy hoje é nossa noite de diversão – falou Steve: – Bob me disse que ele é gente boa e é refugiado político, e voltando-se ao Bino disse:

– Recebi uma grana boa e hoje é tudo na casa. Estou bancando.

– Não se preocupe Bino, disse Jo Ann, – Daqui a uma semana ele estará na merda de novo e os três deram gargalhadas e Bino não entendeu nada.

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Eles pararam no apartamento da Cindy e beberam vinho e comeram uns queijos e azeitonas de tira-gosto. Os três fumaram um pouco de maconha e riam como crianças, de tudo. Bino relaxou as guardas e bebeu mais vinho, sentado num sofá e ouvindo jazz do Stan Getz da Cindy. Jo Ann e Steve foram para o quarto da Cindy e antes de fechar a porta Cindy berrou para a amiga:

 – Não sujem o meu edredom, e os dois riram.

Cindy abriu a cortina de sacada e também a porta de vidro na frente do sofá. A noite era agradável, havia uma brisa suave e a vista de Hollywood iluminada a noite pareceu deslumbrante a Bino.

Ela sentou se do lado do Bino e disse:

– É bom ventilar um pouco este ar aqui. Vou trazer mais vinho para a gente; quer mais queijo, azeitonas ou amendoins? Coma pouco, pois ainda vamos jantar.

E conversaram muito. Ela não era da Califórnia, mas gostava de lá. Bino falou de sua vida, começando da Escola de Engenharia em diante. Cindy não entendia o que era uma ditadura e achou tudo um absurdo e se lamentou que um lugar tão idílico como o Brasil –que ela imaginava- pudesse estar infectado com esta praga.

Cindy reclamou que o seu Fiat Spider, um pequeno conversível vermelho de quatro cilindros estava na garagem do prédio com o motor quebrado e por isto ela estava no carro da Jo Ann. Disse que a Fiat tinha cobrado uma fortuna para por um novo motor e ela não sabia o que fazer. Bino lhe perguntou a descrição dos sintomas do motor do carro antes de parar e ela disse que não queria falar do assunto naquela noite e que de manhã ele poderia olhar o carro. Bino logo entendeu que não dormiria na rua...



                                                           * * * * * *



Os anos sessenta e setenta nos Estados Unidos, e, mormente na Califórnia eram tempos e dias loucos.

Era época de protesto contra a guerra no Vietnam, de distúrbios sociais; de demanda dos negros por sua integração social e protestando a segregação racial ateando fogo em Agosto de 1965 na Cidade de Watts, um gueto negro na Califórnia. Para dominar a revolta foram necessários quatorze mil Guardas Nacionais e mil e quinhentos policiais.

Depois, revolta e protestos pela morte do líder Dr. Martin Luther King em Abril de 1968; Em Nova Iorque, em Woodstock foi feito o “mais famoso evento na história do Rock and Roll” segundo o Rolling Stones, com a presença, do Grupo Graetful Dead,, Blood Swet and Tears, Joan Baez, Santana, Janis Joplin e muitos outros incendiando os espíritos da juventude com sentimentos de protesto contra a guerra do Vietnam. Lá entre a multidão de jovens contestando os valores, protestando a guerra e curtindo a vida deles, estava  a Gandira, a amiga do Bino.

Califórnia estava em pé de guerra. Havia uma subcultura de drogas e alienação a valores estabelecidos por parte dos hippies e também a antítese do movimento hippie que era a onda dos Krishina que buscavam a essência da vida por meio da espiritualidade, via hinduísmo. As drogas rolavam soltas, a juventude andava sem rumo. Religiões formais e estabelecidas e valores familiares eram contestadas criando-se um ambiente favorável a procriação de gente como Charles Manson e seus seguidores. A juventude andava perdida e mal encaminhada em muitas áreas.

As universidades fervilhavam com todos os tipos de protestos. Muitos campi se tornaram campo de batalha, como o da Universidade Estadual de Kent, no Ohio onde quatro estudantes foram mortos. Quatrocentas universidades e Colleges se fecharam em protesto. Nixon perdeu cinqüenta por cento de sua popularidade. Havia também uma guerra interna entre o governo aguerrido e uma juventude desiludida, rebelde e combativa que abominava a cultura alienada, materialista, engessada e suburbana que se criou na América depois II guerra.

Além dos protestos e movimentos nesses anos sessenta e setenta também havia violência nas ruas e vários grupos armados como o Symbionese Liberation Army e o Black Panthers declaravam guerra aberta ao status quo americano.

As anfetaminas, maconha e ácido, além de álcool, rolavam soltos e gangs de motociclistas como o Hell Angels e Mongols cuidavam em grande parte de sua distribuição e merchandising.  Até meados dos anos sessenta, o uso LSD não era criminalizado e seu uso era intenso nos anos setenta. O ácido Lisérgico  maciçamente fabricado em qualquer garagem ou fundo de quintal sem grandes problemas era distribuído à garotada. O Papa do Ácido, Dr.Timothy Leary, bem como o Poeta Allen Ginsberg apregoava a juventude, a beleza interior e expansão da mente e integração universal que diziam a droga produzir e entre os ícones  e usuários famosos estavam os Beatles e os Rolling Stones.

Para complicar ainda mais, a Guerra do Vietnam também contribuiu para o distúrbio social, especialmente durante a presidência de Richard Nixon: Para a guerra iam proporcionalmente mais negros e outras minorias, do que brancos. Para ser bucha de canhão não havia descriminação racial e ao contrário – percebiam os negros – havia até preferência a gente de cor. E novamente, os Negros se rebelavam também contra a guerra.

Mas uma coisa era comum a todos os soldados, independentemente de raça, a guerra os transformava: Ela retorcia estes adolescentes armados e os recambiava aos seus locais de origem transformados numa juventude violenta, desiludida, cínica e desnorteada - e mutilada física e mentalmente.

Muitos voltavam da guerra usando do haxixe a heroína - além de muletas e cadeiras de roda. A taxa de suicídio entre estes retorcidos era alta e também o índice de distúrbios mentais e violência. O Vietnam quase acabou com uma inteira geração de guris americanos que foram à luta.

Não era muito fácil ser “careta” nesse tempo na Califórnia. Como Gandira deveria dizer lá no Retiro Krishina de Ibiraçu, “são tempos de Kaliuga”, tempos de destruição.

E Bino se adaptou a esta Califórnia louca, livre, linda, violenta e desregrada: Ele e a Cindy conseguiam viver tranquilamente no meio dessa loucura, não exatamente como monges - mas também não como a garotada da pesada.

www.pt.wikipedia.org/wiki/Festival_de_Woodstock



sábado, 28 de abril de 2012

BEM VINDO A LOS ANGELES



            O ônibus nem bem parou na estação rodoviária de San Izidro, Bino começou a se lamentar do modo ríspido com que tratou os culeros de Tijuana: San Yzidro parecia ser ainda o México.

            Quase todos na rodoviária pareciam mexicanos e falavam espanhol. Claro, Bino sabia que já estava na Califórnia, EUA, mas parecia ainda a Baja Califórnia. Quase todos os letreiros que ele viu nos arredores e também na Rodoviária estavam escritos em espanhol e as pessoas, em sua grande maioria, naquela cidade eram latinas e falavam o espanhol.

            Quanto ao inglês que Bino aprendeu em São Paulo com o Pastor Tommy e seus amigos, era quase inútil e parecia piada sem graça. Parecia que na fronteira o povo falava muito rápido e usavam palavras e contrações verbais que ele nunca tinha escutado antes. Também as muitas palavras novas e xingamentos. Enquanto Bino parava para meditar ou puxar do fundo do baú da sua mente uma determinada palavra para entender uma sentença, o interlocutor já estava a duas frases adiante e usando mais novas palavras que ele nunca tinha escutado.

            Parecia que eles falavam num patoá que não dava para ele entender, mesmo tendo aprendido um caminhão de gramática. Seria isto o chamado texmexican?  Um tipo de inglês de fronteira diferente? Mas talvez em Los Angeles fosse diferente e ele entenderia mais, pois lá é bem EUA, lá está Hollywood e todos aqueles artistas.
            Frustrado ele pensou em sair do ônibus e esticar as pernas um pouco mais, mas sentiu que estava sendo observado por um homem moreno vestindo calca jeans com cinturão de fivela prateada, botas texanas e chapéu de vaqueiro de feltro negro. Ele estava sentado num banco, cigarro no canto da boca e olhava para outro lado, mas Bino sentiu que a sua visão periférica estava cravada na porta do ônibus.

À medida que o ônibus se aproximava da cidade, Bino já via alguns edifícios altos e se admirou como a cidade era espraiada e as casas eram amplas e bem separadas umas das outras, em muitas ele pode ver piscinas e não havia muros entre as gramas das casas.

            Do ônibus Bino viu algumas marinas e ficou abismado com o número de barcos que lá estavam ancorados.  San Diego pareceu a Bino uma cidade limpa, moderna, bonita e bem cuidada: havia carros de todos os tipos por todos os lados, mas Bino estranhou que não havia muitos edifícios altos e o número pequeno de pessoas andando em suas calcadas no centro.

            Ele viu algumas viaturas da Marinha de Guerra Americana e muitos marinheiros e de imediato se deu conta que lá deveria ter uma grande base da marinha e ele estava certo sobre esta suposição. Bem, pelo menos não eram tanques verde oliva e nem milicos de Exército, pensou ele.

            Bino desceu na rodoviária limpa e ampla esticou as pernas, mas não saiu de perto do ônibus. Olhou cuidadosamente ao seu redor e notou que havia mais americanos naquele local, mas assim mesmo continuava uma forte influência de pessoas que pareciam ser de origem latina.  Bino respirou fundo e ficou mais aliviado por não ter encontrado nenhum tipo suspeito, nenhum destes latinos de mau caráter como os culeros de Tijuana ou San Izidro.

            Foi arisco ao banheiro, e o local era limpo, e estava com bastante usuários. Bino lavou-se cuidadosamente com sabonete liquido, havia água quente na pia e muitas toalhas de papel para se secar. Eles falavam em Inglês, mas lá Bino também não entendia nada. Talvez fosse o sotaque de perto da fronteira, ou o modismo do sul da Califórnia que fizesse o inglês ser tão diferente do que ele falava com o Tommy.

                                                            * * * * * * * * * * * * *

A viagem para Los Angeles foi rápida. Durou cerca de duas horas e meia. Bino dormiu um pouco e por breves períodos acordados se abismava com as super estradas, os freeways.  Seu ônibus ia por uma auto estrada de múltiplas pistas com fortes divisórias de cimento armado, era bem sinalizada e não tinha cruzamentos. Havia enxames de todos os tipos de veículos por todos os lados e ele ficou de boca aberta em ver tantos conversíveis enormes, de capota baixa, muitos deles dirigidos por mulheres e negros, fatos que ainda não estavam programados a serem aceitos em seus circuitos de assimilação.

A estrada se intercalava com rampas, viadutos e trevos suspensos a conectando com outras auto-estradas formando uma admirável malha rodoviária.

Bino ficou boquiaberto, com a quantidade enorme de construções, de casas, vilas e mais construções que ele via; parecia que os americanos eram formigas que estavam sempre trabalhando em alguma coisa. San Diego devia estar quase que conectada a Los Angeles por construções, casas, vilas e fábricas

Maravilhado, Bino dormiu um pouco mais e quando menos esperava já estava no centro de Los Angeles, local cheio de edifícios altos e movimentado. Era uma cidade maior do que San Diego, mas era desleixada. Perto da humilde rodoviária, ele viu muita gente suja e mal vestida, aparentemente pedintes, viu novamente muitos latinos porém ficou mais impressionado com o número de negros que tinha a cidade. Nunca em filmes americanos Bino tinha visto tantos negros.

Finalmente o ônibus chegou ao centro de Los Angeles, parou num tipo de sobrado velho onde era a parada somente para os ônibus da Companhia Greyhound. Bino não gostou da primeira impressão da cidade. Talvez melhor fosse começar tudo por San Diego ou outra cidade, ele pensou.

Saltou, pegou sua mochila e mostrou ao motorista um papel que estava escrito “SALVATION ARMY” e este lhe apontou uma direção e falou algo que Bino não entendeu. O motorista observou que Bino não entendia nada e explicou novamente desta vez falando mais alto. Embaraçado Bino sorriu, fingiu que entendeu e partiu na direção apontada. Ele repetiu esta operação algumas vezes e seguiu sempre na direção apontada.

Bino observou que a área se tornava cada vez mais densamente povoada de negros e vendo isto temeu pela sua segurança. Os negros dos Estados Unidos só eram do tipo raro, chamados no Brasil de “negões”. Gente grande, vestidos diferente, a maioria era quase azul-marinho. Eram muito diferentes dos cafuzos, mulatos e pardos que ele sempre conviveu harmoniosamente no Brasil e ele ficou meio sem entender nada.

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O local deu medo a Bino. Definitivamente estava povoado de todo tipo de raça e de gente, mas uma coisa era comum: ali só existia gente da última estação do trem da vida. Amputados da guerra do Vietnam, gente com a aparência de drogado, bêbados, vagantes, desocupados e uns poucos que se via que estavam fazendo força por um tipo de recuperação sócio-espiritual, tentando galgar a penúltima ou antepenúltima estação da vida para seguir rumo melhores posições.

Na portaria Bino foi atendido por um senhor de meia idade, vestindo roupas usadas e de tamanho pelo menos uns dois números maior do que o seu tamanho. Olhando-o mais de perto, Bino notou que o homem não deveria ter mais do que trinta anos, mas o desgaste de sua vida lhe dava uma aparência de velho. O homem sorriu para Bino, o chamou de “irmão” e placidamente lhe deu um sorriso de boca desfalcada de dentes.

Em seu inglês limitado, Bino mostrou o passaporte, disse que era do Brasil, e que tinha uma carta de apresentação para O Exército da Salvação. Procurou no fundo da mochila, abriu uma bolsa de plástico com seus documentos e tirou um envelope amarrotado com uma carta datada de meses atrás, escrita em papel timbrado do Exército da Salvação e assinada pelo Pastor Tommy e com o carimbo da instituição em São Paulo.


Após ler cuidadosamente a carta do pastor Tommy, o jovem-idoso da portaria o olhou bem da cabeça aos pés, sorriu como alguém da família dele lá estivesse, estendeu o braço apertando calorosamente a mão de Bino e disse num inglês compassado e claro:

            – O meu nome também é Thomas. Robert Thomas. Chame-me de Bob

            Em seguida, Bob cadastrou Bino na recepção, anotando seu número de passaporte e de data de chegada. Terminada a burocracia ele pegou a mochila do Bino, ignorando as suas reclamações e a levou até o segundo andar. Deu a chave de um minúsculo quarto com duas camas ao Bino, apontou um armário de ferro lhe dizendo para guardar tudo sempre lá, lhe deu o cadeado e os seis números de sua senha e disse:

            – O banheiro é coletivo e está no final do corredor. As suas toalhas estão sob o travesseiro. O culto da manhã é às 6 horas e o café da manhã é depois do culto - para os que participaram do serviço. Seu período de estadia aqui deverá ser de 72 horas. Em casos especiais poderemos estendê-la um pouco mais. Aqui não se fuma, não se bebe, não pode haver uso de drogas e não pode entrar mulher. Você me entende?

            Bino entendeu e balançou afirmativamente a cabeça e disse que entendeu tudo de modo claro. Bob sorriu e continuou devagar, claro e pausadamente.

            – Cuidado. Aqui há todo tipo de gente. Olhe sempre suas coisas e mantenha todos os seus pertences o tempo todo chaveados.  Cuidado com as ruas. Aqui em Los Angeles corre muita droga e há muitos homeless, viciados em drogas e alcoólatras. Cuidado com as ruas e a polícia...

            Bino se apavorou. Ele sabia que dentro de três dias ele teria que deixar o albergue e se defender por conta própria e o que ele viu e ouviu lhe deram medo.

                                                          

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quinta-feira, 29 de março de 2012

Enfim - Os Estados Unidos da America ! Final de viagem?

Vislumbrando um final para a viagem


O ônibus nem bem parou na estação rodoviária de San Izidro, Bino começou a se lamentar do modo ríspido com que tratou os culeros de Tijuana: San Yzidro parecia ser ainda o México.

            Quase todos na rodoviária pareciam mexicanos e falavam espanhol. Claro, Bino sabia que já estava na Califórnia, EUA, mas parecia ainda a Baja Califórnia. Quase todos os letreiros que ele viu nos arredores e também na Rodoviária estavam escritos em espanhol e as pessoas, em sua grande maioria, naquela cidade eram latinas e falavam o espanhol.

            Quanto ao inglês que Bino aprendeu em São Paulo com o Pastor Tommy e seus amigos, era quase inútil e parecia piada sem graça. Parecia que na fronteira o povo falava muito rápido e usavam palavras e contrações verbais que ele nunca tinha escutado antes. Também as muitas palavras novas e xingamentos. Enquanto Bino parava para meditar ou puxar do fundo do baú da sua mente uma determinada palavra para entender uma sentença, o interlocutor já estava a duas frases adiante e usando mais novas palavras que ele nunca tinha escutado.

            Parecia que eles falavam num patoá que não dava para ele entender, mesmo tendo aprendido um caminhão de gramática. Seria isto o chamado texmexican?  Um tipo de inglês de fronteira diferente? Mas talvez em Los Angeles fosse diferente e ele entenderia mais, pois lá é bem EUA, lá está Hollywood e todos aqueles artistas.

            Frustrado ele pensou em sair do ônibus e esticar as pernas um pouco mais, mas sentiu que estava sendo observado por um homem moreno vestindo calca jeans com cinturão de fivela prateada, botas texanas e chapéu de vaqueiro de feltro negro. Ele estava sentado num banco, cigarro no canto da boca e olhava para outro lado, mas Bino sentiu que a sua visão periférica estava cravada na porta do ônibus.

            Bino sentiu que talvez a sua suspeita fosse infundada e até teve medo de estar meio paranóico, mas pelo sim ou pelo não ele decidiu não cutucar o capeta de vara curta e ficar no ônibus e só sair dele em San Diego ou talvez só no ponto final da viagem, em Los Angeles.

            Se o tipo mexicano-texano entrasse no ônibus ele sentaria perto de alguma pessoa e em Los Angeles procuraria a policia. Mas não foi necessário. Alguns minutos depois, mais pessoas embarcaram no ônibus, mas o cara de botas e chapéu negro nele não entrou – para a tranqüilidade de Bino.

                                              

                                                                       * * * * * *



            Em menos de vinte minutos depois da saída de San Izidro, antes da parada final em Los Angeles o ônibus  chegaria a San Diego.  Antes da chegada, Bino ficou animado ao ver cenas do Oceano Pacifico e ranchos bem cuidados com casas suntuosas. Apesar de tão perto da fronteira, San Diego era uma linda cidade e bem americana: Bino ficou espantado que no meio de uma área desértica surgissem tantas árvores.

            À medida que o ônibus se aproximava da cidade, Bino já via alguns edifícios altos e se admirou como a cidade era espraiada e as casas eram amplas e bem separadas umas das outras, em muitas ele pode ver piscinas e não havia muros entre as gramas das casas.

            Do ônibus Bino viu algumas marinas e ficou abismado com o número de barcos que lá estavam ancorados.  San Diego pareceu a Bino uma cidade limpa, moderna, bonita e bem cuidada: havia carros de todos os tipos por todos os lados, mas Bino estranhou que não havia muitos edifícios altos e o número pequeno de pessoas andando em suas calcadas no centro.

            Ele viu algumas viaturas da Marinha de Guerra Americana e muitos marinheiros e de imediato se deu conta que lá deveria ter uma grande base da marinha e ele estava certo sobre esta suposição. Bem, pelo menos não eram tanques verde oliva e nem milicos de Exército, pensou ele.

            Bino desceu na rodoviária limpa e ampla esticou as pernas, mas não saiu de perto do ônibus. Olhou cuidadosamente ao seu redor e notou que havia mais americanos naquele local, mas assim mesmo continuava uma forte influência de pessoas que pareciam ser de origem latina.  Bino respirou fundo e ficou mais aliviado por não ter encontrado nenhum tipo suspeito, nenhum destes latinos de mau caráter como os culeros de Tijuana ou San Izidro.

            Foi arisco ao banheiro, e o local era limpo, e estava com bastante usuários. Bino lavou-se cuidadosamente com sabonete liquido, havia água quente na pia e muitas toalhas de papel para se secar. Eles falavam em Inglês, mas lá Bino também não entendia nada. Talvez fosse o sotaque de perto da fronteira, ou o modismo do sul da Califórnia que fizesse o inglês ser tão diferente do que ele falava com o Tommy.

            Bino se olhou no espelho grande adiante dele e notou que ele estava magro e parecia que envelhecera uns cinco anos. Ele encolheu os ombros, tirou da jaqueta uma escova de dente e os escovou bem com o sabonete liquido e rapidamente voltou ao ônibus.

            Na rodoviária de San Diego, Bino notou que o logotipo da companhia de ônibus Greyhound parecia ter sido roubado da Viação Itapemirim de seu estado natal, no tempo em que estes ônibus eram azuis e prata com um Cachorro de corrida da raça greyhound, bem esguio e pulando veloz, parecendo voar adiante. Estes ônibus americanos da Greyhound certamente encamparam o logotipo bolado pelo Senhor Camilo Cola, fundador da Itapemirim, mas somente muitos anos depois ele soube que foi o vice-versa.



                                                           * * * * * *



A viagem para Los Angeles foi rápida. Durou cerca de duas horas e meia. Bino dormiu um pouco e por breves períodos acordados se abismava com as super estradas, os freeways.  Seu ônibus ia por uma auto estrada de múltiplas pistas com fortes divisórias de cimento armado, era bem sinalizada e não tinha cruzamentos. Havia enxames de todos os tipos de veículos por todos os lados e ele ficou de boca aberta em ver tantos conversíveis enormes, de capota baixa, muitos deles dirigidos por mulheres e negros, fatos que ainda não estavam programados a serem aceitos em seus circuitos de assimilação.

A estrada se intercalava com rampas, viadutos e trevos suspensos a conectando com outras auto-estradas formando uma admirável malha rodoviária.

Bino ficou boquiaberto, com a quantidade enorme de construções, de casas, vilas e mais construções que ele via; parecia que os americanos eram formigas que estavam sempre trabalhando em alguma coisa. San Diego devia estar quase que conectada a Los Angeles por construções, casas, vilas e fábricas

Maravilhado, Bino dormiu um pouco mais e quando menos esperava já estava no centro de Los Angeles, local cheio de edifícios altos e movimentado. Era uma cidade maior do que San Diego, mas era desleixada. Perto da humilde rodoviária, ele viu muita gente suja e mal vestida, aparentemente pedintes, viu novamente muitos latinos porém ficou mais impressionado com o número de negros que tinha a cidade. Nunca em filmes americanos Bino tinha visto tantos negros.

Finalmente o ônibus chegou ao centro de Los Angeles, parou num tipo de sobrado velho onde era a parada somente para os ônibus da Companhia Greyhound. Bino não gostou da primeira impressão da cidade. Talvez melhor fosse começar tudo por San Diego ou outra cidade, ele pensou.

Saltou, pegou sua mochila e mostrou ao motorista um papel que estava escrito “SALVATION ARMY” e este lhe apontou uma direção e falou algo que Bino não entendeu. O motorista observou que Bino não entendia nada e explicou novamente desta vez falando mais alto. Embaraçado Bino sorriu, fingiu que entendeu e partiu na direção apontada. Ele repetiu esta operação algumas vezes e seguiu sempre na direção apontada.

Bino observou que a área se tornava cada vez mais densamente povoada de negros e vendo isto temeu pela sua segurança. Os negros dos Estados Unidos só eram do tipo raro, chamados no Brasil de “negões”. Gente grande, vestidos diferente, a maioria era quase azul-marinho. Eram muito diferentes dos cafuzos, mulatos e pardos que ele sempre conviveu harmoniosamente no Brasil e ele ficou meio sem entender nada.

Mas este povo era tranqüilo: alguns meninos jogavam basquete nas ruas, alguns adultos estavam sentados em varandas de casas antigas, outros se congregavam em grupos. Mas naquela vizinhança, uma coisa Bino entendeu bem: ele não os entedia - e o inglês deles para Bino era chinês.

Daí, cansado e carregando sua mochila, Bino limitou-se a perguntar somente “Salvation Army. Please”, somente a pessoas de idade e que pareciam entendê-lo um pouquinho e eles foram sempre corteses e apontaram na direção certa – mas Bino continuava perdido e por mais que se esforçasse, ele não entendia uma só palavra do que todos diziam.

Depois de umas voltas erradas e retornar à mesma casa onde havia perguntado por último, uma senhora negra, de avental e lenço na cabeça, idosa, alta e gorda gritou energeticamente a um menino e lhe disse alguma coisa que Bino não entendeu; meio contra vontade o moleque, segurando uma velha bola de basquetebol foi cabisbaixo na frente de Bino umas três quadras e finalmente apontou um prédio antigo de tijolinhos marrom escuro que era o bendito albergue do Exercito da Salvação em Los Angeles.



                                                          

                                                           * * * * * *



O local deu medo a Bino. Definitivamente estava povoado de todo tipo de raça e de gente, mas uma coisa era comum: ali só existia gente da última estação do trem da vida. Amputados da guerra do Vietnam, gente com a aparência de drogado, bêbados, vagantes, desocupados e uns poucos que se via que estavam fazendo força por um tipo de recuperação sócio-espiritual, tentando galgar a penúltima ou antepenúltima estação da vida para seguir rumo melhores posições.

Na portaria Bino foi atendido por um senhor de meia idade, vestindo roupas usadas e de tamanho pelo menos uns dois números maior do que o seu tamanho. Olhando-o mais de perto, Bino notou que o homem não deveria ter mais do que trinta anos, mas o desgaste de sua vida lhe dava uma aparência de velho. O homem sorriu para Bino, o chamou de “irmão” e placidamente lhe deu um sorriso de boca desfalcada de dentes.

Em seu inglês limitado, Bino mostrou o passaporte, disse que era do Brasil, e que tinha uma carta de apresentação para O Exército da Salvação. Procurou no fundo da mochila, abriu uma bolsa de plástico com seus documentos e tirou um envelope amarrotado com uma carta datada de meses atrás, escrita em papel timbrado do Exército da Salvação e assinada pelo Pastor Tommy e com o carimbo da instituição em São Paulo.

Em inglês ela dizia:



               A QUEM POSSA INTERESSAR

                          

São Paulo, 02 de 1970      

                      

            Apresentação do Senhor Bino Tedesco





Meu nome é Thomas Simpson sou Capitão e Capelão do Exército da Salvação em São Paulo, Brasil no Posto de Atibaia.

O portador desta é Sr. Bino Tedesco, ex-funcionário do E. S. em Atibaia São Paulo e deverá apresentar esta nos YMCAs dos EUA.

Rogamos aos Senhores que o dêem a ele todo o apoio necessário. Seu destino final é Fresno, Califórnia onde se encontrará com meus familiares.

Solicitamos também aos senhores facilitar a sua comunicação com o meu irmão o Sr. Raymond Simpson, cujo endereço e telefone está em posse do portador.

Esta ajuda e apoio são muito importantes e será apreciada de minha parte.

           

Saudações em Cristo,

           

Do agradecido irmão,

           

Capt. Thomas Simpson

Capelão, S.A. - Brasil





            Após ler cuidadosamente a carta do pastor Tommy, o jovem-idoso da portaria o olhou bem da cabeça aos pés, sorriu como alguém da família dele lá estivesse, estendeu o braço apertando calorosamente a mão de Bino e disse num inglês compassado e claro:

            – O meu nome também é Thomas. Robert Thomas. Chame-me de Bob

            Em seguida, Bob cadastrou Bino na recepção, anotando seu número de passaporte e de data de chegada. Terminada a burocracia ele pegou a mochila do Bino, ignorando as suas reclamações e a levou até o segundo andar. Deu a chave de um minúsculo quarto com duas camas ao Bino, apontou um armário de ferro lhe dizendo para guardar tudo sempre lá, lhe deu o cadeado e os seis números de sua senha e disse:

            – O banheiro é coletivo e está no final do corredor. As suas toalhas estão sob o travesseiro. O culto da manhã é às 6 horas e o café da manhã é depois do culto - para os que participaram do serviço. Seu período de estadia aqui deverá ser de 72 horas. Em casos especiais poderemos estendê-la um pouco mais. Aqui não se fuma, não se bebe, não pode haver uso de drogas e não pode entrar mulher. Você me entende?

            Bino entendeu e balançou afirmativamente a cabeça e disse que entendeu tudo de modo claro. Bob sorriu e continuou devagar, claro e pausadamente.

            – Cuidado. Aqui há todo tipo de gente. Olhe sempre suas coisas e mantenha todos os seus pertences o tempo todo chaveados.  Cuidado com as ruas. Aqui em Los Angeles corre muita droga e há muitos homeless, viciados em drogas e alcoólatras. Cuidado com as ruas e a polícia...

            Bino se apavorou. Ele sabia que dentro de três dias ele teria que deixar o albergue e se defender por conta própria e o que ele viu e ouviu lhe deram medo.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Fronteria México - Estados Unidos

O Sr. Dominguez fazia questão que toda a comida fosse tipicamente mexicana para aculturar o Bino. Ele chegou a tal ponto que os filhos já reclamavam de seu “chauvinismo”.

Bino conheceu os taquitos, as carnitas, tacos, burritos de todos os tipos e as tortilhas de milho, de trigo e as famosas tapas da Cidade do México, uma variação crioula das de Espanha, e os frijoles, feijão, preparados de varias maneiras diferentes: Com Chile, com pollo, com carne e em sopas. Também experimentou os diversos caldos usados como parte do antepasto mexicano, enfim Bino ficou bem entrossado na culinária riquíssima do México e só ia “devagar” nas pimentas especialmente os jalopenos.

Os chamados desayunos, ou desjejuns mexicanos eram uma verdadeira festa; não eram café da manhã, mas sim um almoço.

Bino também ficou sem-vergonha e, por vezes, a tarde pedia a Dona Marta tacos com carnitas e molho picante de tomatillo ou guacamole, e começou a ganhar peso.

As meninas também não ajudavam: elas queriam ver o irmão e Bino ganharem uns quilinhos extras e sempre estavam trazendo lanchinhos e pedindo a opinião sobre os “istos e aquilos” que sempre diziam: – Fomos nós mesmas que fizemos”...

                                                            



                                                            * * * * * *



Vitor estava absolutamente certo sobre o período de espera para aprovação de um visto para os Estados Unidos. Era de, no mínimo, duas semanas com um bom despachante e um Licenciado para mexer com os pauzinhos nos locais certos. Tudo no México era suscitável de “mexeção de pauzinhos”...

Mas a família Dominguez devia ser peso pesado e o próprio Licenciado do Sr. Dominguez conseguiu num período recorde de sete dias a “visa” para Bino entrar nos EUA.

Neste período eles levaram Bino a restaurantes no Passeo de la Reforma e outros lugares turísticos da Capital, foi ao Castelo de Chapultepec, onde Bino, Vitor e as meninas passaram um dia inteiro, pois era um museu muito grande. Visitaram a Cidade Antiga, Igrejas e Missões barrocas, fizeram piqueniques no Parque Chapultepec, na mesma área onde moravam, um local ameno, quase frio, a mais de dois mil trezentos e vinte e cinco metros acima do nível do mar.

Mas apesar da grande amizade e alegria em estar naquela linda cidade e com aquela maravilhosa família, Bino já começa a ficar com a inquietação de mochileiro de por as mochilas nas costas e bater com os pés nas estradas e se acomodar nos Estados Unidos antes do inverno – e o seu anseio foi bem entendido, especialmente pelo Victor.

                                                          

                                                      * * * * * *



Houve uma mesa redonda com toda a família e o Bino sobre a logística de sua ida aos Estados Unidos e foi decidido que o Bino iria de ônibus e não pedindo carona para diminuir a possibilidade de problemas na fronteira.

Depois de muito discutir, Victor e o pai chegaram à conclusão que o porto de entrada mais racional seria a fronteira de Nuevo Laredo – Laredo, mas ultimamente havia problema com ilegais e lá estava infestado de agentes picuinhas escrutinizando papéis de todo mundo, sempre “procurando pelo em ovo” e predispostos a infernizar a vida de viajantes. Adoravam os seus orgasmos mentais de subalternos com complexo de deuses e exercer os seus momentâneos poderes infernizando a vida dos viajantes. Também foi considerado que Laredo era bastante longe de Fresno destino final do Bino.

Já a fronteira de Tijuana - San Izidro, era a mais próxima de Fresno e os agentes aduaneiros estavam mais voltados ao movimento de hippies americanos indo e vindo por este ponto, a desertores da guerra do Vietnam e de guris evitando a chamada militar  e a CIRCUNSCRIÇÃO.

Também naquela fronteira havia um grande influxo de turistas de todas as partes do mundo entrando e saindo do México, não somente da cidade de Tijuana bem como a praia de Ensenada, La Paz e os inúmeros outros balneários de Baja Califórnia e os agentes aduaneiros de lá era muito mais ocupados e menos tacanhos. E esta fronteira foi à escolha aceita por todos.

Depois de tudo falado e dito, Bino fez as contas na cabeça e comprando o bendito ticket do ônibus, ainda que ele não tivesse que pagar as taxas da visa e os honorários de despachantes e do advogado de imigração, faltaria a ele cinqüenta e dois dólares dos trezentos a serem apresentados na fronteira. O senhor Dominguez propôs a Bino a comprar a passagem como um presente da família, mas Bino não pode aceitar e propôs vender o relógio inocentemente não observando que o seu anfitrião usava um Rolex.

Finalmente, o Sr. Dominguez graciosamente disse que nenhum viajante sério sairia sem um relógio, e Bino nada disse, implicitamente concordando. O Sr Dominguez  também argumentou que em Buenos Aires ele aceitou o ticket para Santiago da família Tedesco e por que os Dominguez não poderiam fazer o mesmo?  Bino argumentou que na América do Sul havia um problema político não existente no México e que como fez o Victor, ele também poderia ir de carona...

O impasse foi quebrado com a diplomacia da Senhora de Dominguez: Bino aceitaria um empréstimo do valor da passagem que era, na época, cerca de duzentos dólares de México até Los Angeles. E ele se comprometeria de pagar: ou em vinte meses ou vinte anos, mas esta era uma dívida entre eles. Um empréstimo. E com muita dificuldade, com a insistência de Victor o Bino aceitou e isto trouxe uma tranqüilidade a todos.

                                                            

                                                            * * * * * *



Bino se despediu da família Dominguez em casa. E foi rápido e no ponto: Poucas vezes em minha vida eu conheci gente como vocês ou uma família como esta. Dizem serem os filhos geralmente o espelho do lar; pelo comportamento sempre correto do Victor eu posso também julgar o seu lar. Vocês foram a minha segunda família nesta jornada e eu prezo imensamente uma família. Obrigado por terem me recebido. Agradeço o que vocês fizeram por mim de todo o coração. A divida que contrai com vocês será paga. Finalmente, dos muitos defeitos que tenho, tive a felicidade de não adquirir dois: deslealdade e ingratidão. Serei eternamente grato a todos vocês.

Abraçou a todos e foi para o Peugeot do Victor e ele mesmo carregou a sua mochila de roupas limpíssimas e entrou no carro. Victor saiu em direção a rodoviária central e todos acenaram as mãos em despedida. A Dona Marta veio correndo chorosa com um saco de papel manilha dobrada e disse: Un lanchito para Usted, que vayas con Dios. E Bino a abraçou.



                                                             * * * * * *



Ao chegar à rodoviária Bino verificou os dois tickets da companhia de ônibus Greyhound. Um ticket era para Tijuana e o outro era de Tijuana para Los Angeles. Para Fresno, destino final, o Ray Simpson, irmão do Pastor Tommy, disse que iria buscá-lo.

Bino e Victor se abraçaram longamente e ele disse: Se cuide mano. Se tiver algum problema, volte a México, encontraremos alguma coisa para você fazer e continuar os estudos aqui. O pai pode não ser muito grande mas tem os braços bastante compridos, entendeu?

– Sem dúvida, disse Bino sorrindo.

– Se cuide com a guerra do Vietnam. Eles falam há dez anos que aquela merda está para terminar, mas a coisa nunca termina.

– Isto é coisa deles Victor. Como se diz no Brasil “eles que são brancos que se entendam”. E com o seu humor sardônico, ele retrucou: – Então continuemos morenos, e após dizer isto, piscou maliciosamente o olho.

Olhou o saco de comida do Bino e disse: – A Marta está tirando a sua barriga da miséria.

No saco havia taquitos, tacos, sodas, sanduíches, peras e maçãs, tudo cuidadosamente enrolados em celofane e tinha até guardanapos de papel. Marta pensou em tudo.

– Aqui tem comida para nós dois sairmos do México, cruzar os Estados Unidos e chegarmos ao Canadá. E continuou:

– Coma tudo até Tijuana, pois eles não admitem comida entrando lá.

Fizeram uma última inspeção no visto do passaporte, dos trezentos dólares trocados agora em travellers checks, o resto do dinheiro vivo estava na carteira.

– Certo Victor: comer primeiro os taquitos e tacos, depois os sanduíches, no meio dos dois as frutas. Entrar nos States sem nada para ser tomado pelos caras – E riram novamente. - Parece até que eu estou indo também Bino, disse o Victor meio sem graça.

As 23h30min se abraçaram e Bino foi o último a entrar no ônibus.

– Não perca nosso endereço e telefone.  Escreva assim que estiver instalado por lá.

– Saia daqui cara, você está a fim de me ver chorar? Disse Bino sério. E completou:

– Lhes escreverei em breve.

O ônibus saiu, e Victor permaneceu na rodoviária até o Greyhound desaparecer no tráfego da Cidade do México.

                                                          

                                                           * * * * * *



A viagem para Tijuana foi sem incidentes. O ônibus estava quase vazio e Bino dormiu muito no Banco de trás. O ônibus parava muito e entrava sempre em cidadezinhas secundárias para pegar e deixar passageiros.  Parecia demorar uma eternidade para chegar até a fronteira.

Ao chegar a Tijuana, Bino teve que esperar quase duas horas para o ônibus que o levaria até Los Angeles em uma rodoviária muito mal equipada. Lá estava frio e o aquecedor do local estava demasiado quente e desconfortável. Devia ser a querosene, pois havia um cheiro pungente de querosene queimado no ar.

Bino saiu para respirar um ar fresco, e um mexicano baixinho, com uma cara de fuinha lhe bateu as costas, Estava com um chapéu e botas de texano com um cinturão de caubói e foi logo dizendo:

– Oi amigo, quer fazer uma grana boa e fácil? Ele falou em inglês meio quebrado e Bino o respondeu em Espanhol: – Que quiere Usted?

E o cara disse que procurava “culeros”. Mostrou um tubo metálico tipo um grande supositório e disse: – Cem dólares por tubo.

– Porra de que é que você fala cara? O que é isto?

Ai a fuinha explicou que era só entrar com o cilindro no “culo” e entregá-lo no banheiro na parada de San Izidro para outro culero.

– Eu rasgo esta nota de cem dólares aqui – disse ele mostrando um bilhete de cem - e em San Izidro, no banheiro da rodoviária, você receberá a outra metade após entregar o cilindro. Facilito no es mismo?

Bino olhou para a cara do rato fantasiado de vaqueiro texano e disse: – “Facilito” é para a puta que lhe pariu. Enfie esta merda no rabo dela, e limpe-o com esta meia nota de cem dólares.

E não satisfeito Bino berrou para ele: – E mais, seu “culero” de merda: – Onde nasci o culo é como uma porta de emergência: “Somente Saída”

O Culero levantou a sua camisa de flanela e mostrou a coronha de uma pistola automática, e disse: – Nos veremos, e sumiu na noite em direção a uns bares vagabundos.