O Sr. Dominguez fazia questão que toda a comida fosse tipicamente mexicana para aculturar o Bino. Ele chegou a tal ponto que os filhos já reclamavam de seu “chauvinismo”.
Bino conheceu os taquitos, as carnitas, tacos, burritos de todos os tipos e as tortilhas de milho, de trigo e as famosas tapas da Cidade do México, uma variação crioula das de Espanha, e os frijoles, feijão, preparados de varias maneiras diferentes: Com Chile, com pollo, com carne e em sopas. Também experimentou os diversos caldos usados como parte do antepasto mexicano, enfim Bino ficou bem entrossado na culinária riquíssima do México e só ia “devagar” nas pimentas especialmente os jalopenos.
Os chamados desayunos, ou desjejuns mexicanos eram uma verdadeira festa; não eram café da manhã, mas sim um almoço.
Bino também ficou sem-vergonha e, por vezes, a tarde pedia a Dona Marta tacos com carnitas e molho picante de tomatillo ou guacamole, e começou a ganhar peso.
As meninas também não ajudavam: elas queriam ver o irmão e Bino ganharem uns quilinhos extras e sempre estavam trazendo lanchinhos e pedindo a opinião sobre os “istos e aquilos” que sempre diziam: – Fomos nós mesmas que fizemos”...
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Vitor estava absolutamente certo sobre o período de espera para aprovação de um visto para os Estados Unidos. Era de, no mínimo, duas semanas com um bom despachante e um Licenciado para mexer com os pauzinhos nos locais certos. Tudo no México era suscitável de “mexeção de pauzinhos”...
Mas a família Dominguez devia ser peso pesado e o próprio Licenciado do Sr. Dominguez conseguiu num período recorde de sete dias a “visa” para Bino entrar nos EUA.
Neste período eles levaram Bino a restaurantes no Passeo de la Reforma e outros lugares turísticos da Capital, foi ao Castelo de Chapultepec, onde Bino, Vitor e as meninas passaram um dia inteiro, pois era um museu muito grande. Visitaram a Cidade Antiga, Igrejas e Missões barrocas, fizeram piqueniques no Parque Chapultepec, na mesma área onde moravam, um local ameno, quase frio, a mais de dois mil trezentos e vinte e cinco metros acima do nível do mar.
Mas apesar da grande amizade e alegria em estar naquela linda cidade e com aquela maravilhosa família, Bino já começa a ficar com a inquietação de mochileiro de por as mochilas nas costas e bater com os pés nas estradas e se acomodar nos Estados Unidos antes do inverno – e o seu anseio foi bem entendido, especialmente pelo Victor.
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Houve uma mesa redonda com toda a família e o Bino sobre a logística de sua ida aos Estados Unidos e foi decidido que o Bino iria de ônibus e não pedindo carona para diminuir a possibilidade de problemas na fronteira.
Depois de muito discutir, Victor e o pai chegaram à conclusão que o porto de entrada mais racional seria a fronteira de Nuevo Laredo – Laredo, mas ultimamente havia problema com ilegais e lá estava infestado de agentes picuinhas escrutinizando papéis de todo mundo, sempre “procurando pelo em ovo” e predispostos a infernizar a vida de viajantes. Adoravam os seus orgasmos mentais de subalternos com complexo de deuses e exercer os seus momentâneos poderes infernizando a vida dos viajantes. Também foi considerado que Laredo era bastante longe de Fresno destino final do Bino.
Já a fronteira de Tijuana - San Izidro, era a mais próxima de Fresno e os agentes aduaneiros estavam mais voltados ao movimento de hippies americanos indo e vindo por este ponto, a desertores da guerra do Vietnam e de guris evitando a chamada militar e a CIRCUNSCRIÇÃO.
Também naquela fronteira havia um grande influxo de turistas de todas as partes do mundo entrando e saindo do México, não somente da cidade de Tijuana bem como a praia de Ensenada, La Paz e os inúmeros outros balneários de Baja Califórnia e os agentes aduaneiros de lá era muito mais ocupados e menos tacanhos. E esta fronteira foi à escolha aceita por todos.
Depois de tudo falado e dito, Bino fez as contas na cabeça e comprando o bendito ticket do ônibus, ainda que ele não tivesse que pagar as taxas da visa e os honorários de despachantes e do advogado de imigração, faltaria a ele cinqüenta e dois dólares dos trezentos a serem apresentados na fronteira. O senhor Dominguez propôs a Bino a comprar a passagem como um presente da família, mas Bino não pode aceitar e propôs vender o relógio inocentemente não observando que o seu anfitrião usava um Rolex.
Finalmente, o Sr. Dominguez graciosamente disse que nenhum viajante sério sairia sem um relógio, e Bino nada disse, implicitamente concordando. O Sr Dominguez também argumentou que em Buenos Aires ele aceitou o ticket para Santiago da família Tedesco e por que os Dominguez não poderiam fazer o mesmo? Bino argumentou que na América do Sul havia um problema político não existente no México e que como fez o Victor, ele também poderia ir de carona...
O impasse foi quebrado com a diplomacia da Senhora de Dominguez: Bino aceitaria um empréstimo do valor da passagem que era, na época, cerca de duzentos dólares de México até Los Angeles. E ele se comprometeria de pagar: ou em vinte meses ou vinte anos, mas esta era uma dívida entre eles. Um empréstimo. E com muita dificuldade, com a insistência de Victor o Bino aceitou e isto trouxe uma tranqüilidade a todos.
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Bino se despediu da família Dominguez em casa. E foi rápido e no ponto: Poucas vezes em minha vida eu conheci gente como vocês ou uma família como esta. Dizem serem os filhos geralmente o espelho do lar; pelo comportamento sempre correto do Victor eu posso também julgar o seu lar. Vocês foram a minha segunda família nesta jornada e eu prezo imensamente uma família. Obrigado por terem me recebido. Agradeço o que vocês fizeram por mim de todo o coração. A divida que contrai com vocês será paga. Finalmente, dos muitos defeitos que tenho, tive a felicidade de não adquirir dois: deslealdade e ingratidão. Serei eternamente grato a todos vocês.
Abraçou a todos e foi para o Peugeot do Victor e ele mesmo carregou a sua mochila de roupas limpíssimas e entrou no carro. Victor saiu em direção a rodoviária central e todos acenaram as mãos em despedida. A Dona Marta veio correndo chorosa com um saco de papel manilha dobrada e disse: Un lanchito para Usted, que vayas con Dios. E Bino a abraçou.
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Ao chegar à rodoviária Bino verificou os dois tickets da companhia de ônibus Greyhound. Um ticket era para Tijuana e o outro era de Tijuana para Los Angeles. Para Fresno, destino final, o Ray Simpson, irmão do Pastor Tommy, disse que iria buscá-lo.
Bino e Victor se abraçaram longamente e ele disse: Se cuide mano. Se tiver algum problema, volte a México, encontraremos alguma coisa para você fazer e continuar os estudos aqui. O pai pode não ser muito grande mas tem os braços bastante compridos, entendeu?
– Sem dúvida, disse Bino sorrindo.
– Se cuide com a guerra do Vietnam. Eles falam há dez anos que aquela merda está para terminar, mas a coisa nunca termina.
– Isto é coisa deles Victor. Como se diz no Brasil “eles que são brancos que se entendam”. E com o seu humor sardônico, ele retrucou: – Então continuemos morenos, e após dizer isto, piscou maliciosamente o olho.
Olhou o saco de comida do Bino e disse: – A Marta está tirando a sua barriga da miséria.
No saco havia taquitos, tacos, sodas, sanduíches, peras e maçãs, tudo cuidadosamente enrolados em celofane e tinha até guardanapos de papel. Marta pensou em tudo.
– Aqui tem comida para nós dois sairmos do México, cruzar os Estados Unidos e chegarmos ao Canadá. E continuou:
– Coma tudo até Tijuana, pois eles não admitem comida entrando lá.
Fizeram uma última inspeção no visto do passaporte, dos trezentos dólares trocados agora em travellers checks, o resto do dinheiro vivo estava na carteira.
– Certo Victor: comer primeiro os taquitos e tacos, depois os sanduíches, no meio dos dois as frutas. Entrar nos States sem nada para ser tomado pelos caras – E riram novamente. - Parece até que eu estou indo também Bino, disse o Victor meio sem graça.
As 23h30min se abraçaram e Bino foi o último a entrar no ônibus.
– Não perca nosso endereço e telefone. Escreva assim que estiver instalado por lá.
– Saia daqui cara, você está a fim de me ver chorar? Disse Bino sério. E completou:
– Lhes escreverei em breve.
O ônibus saiu, e Victor permaneceu na rodoviária até o Greyhound desaparecer no tráfego da Cidade do México.
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A viagem para Tijuana foi sem incidentes. O ônibus estava quase vazio e Bino dormiu muito no Banco de trás. O ônibus parava muito e entrava sempre em cidadezinhas secundárias para pegar e deixar passageiros. Parecia demorar uma eternidade para chegar até a fronteira.
Ao chegar a Tijuana, Bino teve que esperar quase duas horas para o ônibus que o levaria até Los Angeles em uma rodoviária muito mal equipada. Lá estava frio e o aquecedor do local estava demasiado quente e desconfortável. Devia ser a querosene, pois havia um cheiro pungente de querosene queimado no ar.
Bino saiu para respirar um ar fresco, e um mexicano baixinho, com uma cara de fuinha lhe bateu as costas, Estava com um chapéu e botas de texano com um cinturão de caubói e foi logo dizendo:
– Oi amigo, quer fazer uma grana boa e fácil? Ele falou em inglês meio quebrado e Bino o respondeu em Espanhol: – Que quiere Usted?
E o cara disse que procurava “culeros”. Mostrou um tubo metálico tipo um grande supositório e disse: – Cem dólares por tubo.
– Porra de que é que você fala cara? O que é isto?
Ai a fuinha explicou que era só entrar com o cilindro no “culo” e entregá-lo no banheiro na parada de San Izidro para outro culero.
– Eu rasgo esta nota de cem dólares aqui – disse ele mostrando um bilhete de cem - e em San Izidro, no banheiro da rodoviária, você receberá a outra metade após entregar o cilindro. Facilito no es mismo?
Bino olhou para a cara do rato fantasiado de vaqueiro texano e disse: – “Facilito” é para a puta que lhe pariu. Enfie esta merda no rabo dela, e limpe-o com esta meia nota de cem dólares.
E não satisfeito Bino berrou para ele: – E mais, seu “culero” de merda: – Onde nasci o culo é como uma porta de emergência: “Somente Saída”
O Culero levantou a sua camisa de flanela e mostrou a coronha de uma pistola automática, e disse: – Nos veremos, e sumiu na noite em direção a uns bares vagabundos.