segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

AMERICA CENTRAL - e subindo...

 A Capital do Panamá, definitivamente não era lugar para mochileiros.

Não havia albergues de estudantes, não havia albergues religiosos, não havia alojamentos estudantis. Tudo lá era caro em relação a América do Sul e o dinheiro panamenho era o dólar americano.

Caia a noite e parecia que a cidade era uma versão de primo pobre de Nova Iorque, no que tange a negócios.

Parecia que todos queriam vender alguma coisa, com os bazares abertos até à noite, gente andando apressada; muitos ternos e gravatas dentro de carros, a maioria deles carros americanos: De todos os tipos, de calhambeque a carros do ano.

O centro da cidade em realidade não acompanhou o clima de aparente progresso: havia muitas casas de madeira e cobertas de zinco, quase todas com sacadas ou balcões com grades de ferro, e as casas pareciam se encarquilharem com a passagem dos anos.

Eram dez e meia, e Bino estava cansado de andar, exausto da Colômbia, não se sentia seguro na cidade e começou a procurar um local qualquer para por o seu saco de dormir e morrer, quando ele passou a frente de um ginásio, com um ringue de boxe.

Como as portas estavam abertas, Bino entrou no ginásio. A luta havia acabado, e havia um grupo faxineiros limpando o local.

Novamente o tricampeonato brasileiro ajudou Bino. Um mulato mais velho, que provavelmente era o chefe dos faxineiros, conversou um pouco com Bino, e reclamou do futebol do Panamá. Ele disse que o futebol no Panamá era fraco e sem tradição.

O velho assunto abriu as portas de comunicação e logo depois Bino estava com uma vassoura e uma pá, varrendo os detritos debaixo das cadeiras dos espectadores, e passarelas e pondo tudo em latões de lixo - e em troca ele encontrou um pouso para dormir debaixo da estrutura de madeira do ringue.

Enquanto varria, Bino estava intrigado com vários dos negros falando inglês, bem chegado ao Inglês  americano que ele conhecia, sem o sotaque peculiar do inglês do Caribe, com algumas inflexões britânicas.

Tão pronto acabaram de varrer o ginásio, Bino se sentou com o seu amigo mulato, que tranquilamente fumava um cigarro e olhava outro preto que passava uma bucha com água e cloro limpando vestígios de sangue na lona do ringue. Os dois negros falaram alguma coisa entre si em inglês sobre cloro na água, mas Bino não os entendeu e curioso perguntou ao velho que sentava com ele: – O senhor é de onde?

– Sou panamenho, disse ele como se fosse isto uma coisa óbvia.

– Mas o senhor fala inglês muito bem, mas não fala como a gente da Jamaica que eu conheci. Vocês são dos Estados Unidos?

O velho negro sorriu e disse: – Bem, viemos há muitos anos  da América para trabalhar na construção do “Valão”, entendeu? Do canal. Mas eu creio que eles se esqueceram de levar nossos pais e avós de volta para os Estados Unidos quando acabou a construção, e ele explodiu em uma longa risada cheia de sarro que mais parecia uma tosse.

Também no Panamá, Bino viu várias coisas estranhas: lá havia uma cerca de ferro que separava, literalmente, o terceiro mundo da América do Norte. Parecia um tipo de campo de concentração ao inverso: Um universo de riqueza, fechado por um bolsão de pobreza. 
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Panamá para Bino era um país que já era empenado desde o seu Genesis: uma província da Colômbia arrancada à força pela América, com o apoio de alguns navios de guerra e de alguns políticos venais da região, com o objetivo de se construir um “valão” com muitos trabalhadores negros que resistiram à malária - mas não o ostracismo da pátria - e tornando-se um pais condenado a viver na subserviência e  discriminação em próprio solo pátrio. Até quando duraria isso?
Esta situação surrealista pensou Bino, não duraria muito com o Comandante Zeta e sua tropa maltrapilha avançando norte. Para segurá-los seriam necessárias milhões de Lacunas de Darién.  Aquele país era um arsenal de pólvora, guardado por bêbados fumantes e piromaníacos em uniformes, liderado por futuros milionários e aposentados precoces que viverão abastadamente com dinheiro roubado de seu povo em Miami - a América Latrina dos EUA.
Ao menos que houvesse uma grande mudança no Panamá, Bino não via grandes futuros para o país do “valão” – como os crioulos panamenhos chamavam o canal.
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Costa Rica era um país pequeno, mas progressista e organizado, com boas estradas e grande parte da viagem foi feita em zona montanhosa e de temperatura amena, na Serra de Talamana.  Bino chegou até a usar a sua jaqueta náilon e dormiu bastante a noite neste percurso.
Durante a viagem Bino conheceu alguns jovens da Guarda Nacional de Costa Rica que lhe informaram muitos fatos sobre o país, inclusive o de não existir exército em Costa Rica desde 1949 e que a Guarda Nacional ajudava bastante o país em construções civis, e assistência em emergências. Estes jovens, ao chegarem a San José, arranjaram acomodações no quartel  para Bino, como convidado, e ele aceitou.
Apesar da aversão que o Bino tinha adquirido aos militares de ditaduras, esta Guarda Nacional de Costa Rica era uma força do, e para o povo.
Em São José Bino mais uma vez chegou à conclusão: nada em si é mau ou bom. O uso nocivo ou benigno de uma coisa ou entidade é o determinante de seus predicados. A farda em si era nada. Uma ditadura sob farda fazia desta um símbolo nefasto.
Bino gostou da Costa Rica, Era um país limpo, estável, industrioso e não tinha um exército regular desde 1949
Mas assim mesmo, a América central da época não era um jardim de flores a ser apreciado. De modo geral a estabilidade local era bem precária.
Meses antes de Bino passar por lá houve a infame Guerra do Futebol entre El Salvador e Honduras. Nicarágua era uma ditadura hereditária e o atual caudilho era o “ Anastácio “Tacho” Somoza, um caudilho criado nos EUA, com educação militar numa escola da Flórida e também  na prestigiosa Escola de Oficiais americana de West Point. A família Somoza estava às rédeas do poder em Nicarágua desde 1936 – eleitos ou não.
A Costa Rica era uma estória diferente, sempre houve neste país uma tradição de democracia e Costa Rica era considerada uma nação “iluminada” na América Central, mas mesmo assim com uma série de antigos problemas de fronteira com a Nicarágua.
Quando Bino chegou à América Central, a Nicarágua dos Somozas estava envolvida em uma não-declarada guerra interna contra o movimento Sandinista – um movimento populista de tendências esquerdistas que por muitos anos lutou contra a homogenia da família Somoza.
           www.wikipedia.org/wiki/América_Central

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

NA TENTATIVA DE SAIR DA COLOMBIA UM ENCONTRO COM AS FARC

Uns diziam que a interrupção na Carretera Pan Americana no Passo do Darien ou Lacuna de Darien, entre a Colômbia e o Panamá, era causada de propósito, por que estrategicamente protegia melhor o flanco das tropas americanas aquarteladas na Zona do Canal do Panamá. Isso Bino achava arcaico e estúpido: seria uma estratégia de cavalaria ainda dos tempos das guerras napoleônicas.
Também havia uma explicação menos plausível para esse hiato na rodovia, que era a chamada desculpa agropecuária. Diziam que a própria Colômbia queria esta zona de separação pelas constantes doenças endêmicas de rebanhos no Panamá, tal como a febre aftosa, doença viral resistente a antibióticos que continuamente aniquilava as vacas e porcos no Panamá - e esta epidemia era uma constante ameaça aos rebanhos do norte da Colômbia.
Outros mais deslumbrados diziam que a não existência de estrada entre os dois países era para proteger a floresta prístina local e os povos indígenas lá existentes e Bino viu muita devastação da natureza em sua jornada para também não acreditar nesta fantasia ecológica,
Outra teoria era que se a Lacuna no Passo de Darién fosse aberta, os colombianos, em número muito superior aos panamenhos, retornariam aos poucos para terras férteis que tinham sido uma província colombiana. O Panamá foi subtraído da Colômbia por meio de manobras políticas dos EUA e políticos corruptos locais para a “criação” do Panamá e subseqüente construção do Canal. Esta teoria parecia a mais plausível para o Bino: dividir para conquistar era um método bem antigo, muito usado por Roma.
Seja qual for a explicação, para Bino o trágico é que naquele trecho não havia estradas ligando a Colômbia ao Panamá e as razões acima, exceto por cultura geral, em nada ajudaram a ele.

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A primeira tentativa de Bino para cruzar a chamada Lacuna de Darién foi pedindo carona até uma pequena vila chamada Chigorodo, a uns cem quilômetros ao norte de Medelín, na Pan Americana. Ele ficou dois dias no local com os nativos adquirido informações sobre trilhas que o levassem ao Panamá.
Em Chigorodo, Bino encontrou um casal de missionários evangélicos que suava e tremia enfermos de malária. Eles esperavam um transporte mandado pelo consulado americano para Medelín e de lá para o hospital em Bogotá.  Esses jovens missionários tentaram cruzar a Lacuna de Darién e só chegaram até o Parque Nacional de Los Katios, no lado colombiano da Lacuna.
Eles disseram também que os guias nativos da área talvez conhecessem trilhas alternativas para cruzar a Lacuna. Eles disseram que viram algumas trilhas, mas os guias tinham medo de seguir adiante por medo de guerrilheiros da FARC e também o casal já estava muito enfraquecido com a malária e resolveram voltar. 

No vilarejo de Rio Sucio, disse o casal, a uns vinte quilômetros da Lacuna de Darién, eles viram coisas escabrosas: Europeus e americanos drogados, corpos cobertos de chagas e perambulando como zumbis pelas florestas e até mesmo os índios estavam infectados com a enfermidade que eles chamavam de “Fogo selvagem”.

Depois deste relato Bino resolveu se preparar melhor: Conseguiu com os americanos, pílulas de cloro para purificar a água, também lhe deram um vidro de repelente de insetos na vila comprou tortinhas e broa de milho, duas garrafas de Aguardente Cristal e com um nativo da vila foi para Rio Sucio na esperança de encontrar uma trilha que cruzasse a Lacuna de Darien para entrar no Panamá.

Três horas trilha adentro, ele viu uma tropa de uns vinte e quatro burros indo em direção ao rio, carregando cada burro dois tonéis de 25 galões.
Ele perguntou aos tropeiros para onde iam, mas eles estavam armados com automáticas de grosso calibre e não lhe responderam. Bino decidiu seguir a distância as pegadas dos burros na esperança de que mais adiante, ele encontrasse outro tipo de pessoas com disposição mais amena.
Em dado momento Bino não viu mais seu guia nativo. Já pensava em retornar por onde veio aproveitando a luz do dia. Várias vezes chamou o guia e de resposta só o barulho da floresta.

Já ia dando meia volta quando viu um bando de guerrilheiros alguns armados de fuzis, outros de submetralhadoras, usando roupas de camuflagem, já desgastado, e acompanhado por indígenas com facões.  Estavam suados, sujos, barbudos, gente dura e de má aparência. Bino se assustou e estupidamente enfiou a mão na jaqueta para pegar o passaporte e documentos quando um deles lhe meteu a coronha do rifle em sua cabeça, lhe derrubando na lama. Eles se identificaram como soldados da FARC e que eram uma força armada de libertação da Colômbia.

Cobriram a cabeça de Bino com um capuz negro e  andaram umas duas horas de floresta adentro até que eles pararam, retiraram o capuz que cobria a cabeça de Bino e ele se deparou com uma vila de taperas bem primitivas, de tetos cobertos com folhas de coqueiros que lhe foi dito ser o “acampamento temporário” deles.  Um dos guerrilheiros, de biótipo indígena e de não mais do que vinte anos de idade, pegou o seu passaporte e cuidadosamente o olhou, e finalmente disse:
Brasileño?
– Sim, Brasileiro.
E continuaram as perguntas:
– De que província?
– Qual o número de teu passaporte?
– O que tu fazes aqui?
– Com quem jogou o Brasil no jogo final e qual foi o resultado do jogo?
– Porque tu estás indo para América?

E este interrogatório foi só o começo de outros que vieram.
Questionaram Bino por tres horas a fio; depois trocaram de interrogador; revistaram toda a sua mochila, cada centímetro quadrado, olharam dento da bainha da faca de gaúcho ganha do CTG Lalau Miranda e até reviravam os diários do pai e do avô do Bino, página por página, inspecionaram as suas roupas, o puseram nu e inspecionaram todas as cavidades de seu corpo.
Após isto, silenciosamente o colocaram em uma jaula de madeira fortemente amarrada de embiras e sob constante vigilância ele lá ficou sem comer ou beber.
Cedo na manhã do dia seguinte, chegou um guerrilheiro alto, de feições européias, com uma expressão que poderia ser um sorriso indescritível que somente disse: Sou o Comandante Zeta, que significa a letra “Z” em espanhol.
– Contatamos alguns de teus amigos no Brasil, Sr. Tedesco. Parece que os militares reacionários brasileiros, os teus Botones, andam te buscando.
– Sim, eles andam.
– Por que tu seguias meus homens?
– Queria encontrar uma trilha para passar pela Lacuna de Darien.
–Por quê?
– Quero ir para o Panamá.
– Por quê?
– Estou pedindo carona para os Estados Unidos; não posso estudar em meu país, não tenho como ficar na América Latina.
– Digas sem mentir. Por que não podes?
– Por contas dos Botones.
Ai o Comandante Zeta esboçou o seu primeiro sorriso discernível.
– Então também esteve na Argentina... E como aprendestes espanhol com o modismo Portenho?
– Com minha família.
E o interrogatório continuou. Bino sabia que mentir ali era assinar a própria certidão de óbito.
– Tu sabes por que os Botones estão no poder no teu país e em quase toda a América Latina?
– Não sei. Talvez por que eles têm as armas.
– Parcialmente certo, mas a grande realidade é porque nós temos políticos venais e corruptos e o povo já não agüenta mais.

E o interrogatório parecia entrar numa área perigosa de doutrinação política e Bino sabia que isto era campo minado, mas ele ficaria firme com a honestidade. Comandante Zeta parecia ser um homem capaz de matar sem pensar duas vezes.
– Os militares também são corruptos, disse o Bino
– Sim creio até mais do que os civis. Mas sabe qual é a maior causa da corrupção do povo?
– Não sei, Alguns nascem deste jeito, outros o meio ambiente, dinheiro, há muitas razões.
– Fato, mas aqui não é uma faculdade, guri. A razão social ou genética porque um é corrupto não me interessa. Agora uma vez que ele se torne corrupto em meu país, ai se torna o meu problema.
Bino ficou quieto e o Comandante continuou: – Uma das razões que você me deu para a corrupção foi o dinheiro.
– Sim, mencionei esta razão.
– E quem solta a grana para dar poder aos políticos venais? Para que nos mantenham ignorantes e na merda, vivendo em Repúblicas de Bananas? Quem puxa as cordas destas marionetes que governam toda a América Latina?

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Mas o seu veneno não tinha terminado ainda: Leu mais uma vez vagarosamente, como não pudesse acreditar no carimbo do passaporte de Bino, com uma expressão quase de espanto e disse: Nunca vi um passaporte com este carimbo, e repetiu: – Não é válido para Cuba, - e irritado disse:
– Sabes por que os Gringos odeiam Cuba? Por que Fidel Castro nunca foi subserviente a eles.
– Mas parece que agora Cuba está dependendo é dos Russos, disse Bino.
– Tu estas certo: Cuba agora é o Bordel da Rússia. Mas se tu te tornares uma puta, melhor te deitares com um homem que tu gostas e que te trate bem. Mas este é outro assunto, e o Comandante Continuou:
– Tu conheces a campanha revolucionária do Fidel para depor o corrupto fantoche dos Gringos em Cuba, o vagabundo do Fulgêncio Batista?
– Não.
Carajo, tu não sabes nada! E continuou: Foi uma luta de raízes, do povo cubano para se libertar de um hijo de puta posto no poder pelos Gringos e nele mantido pela Mafia! Mas quando Fidel o derrubou e assumiu poder para limpar a Ilha, advinha a quem ele foi pedir ajuda primeiro?
– A Rússia, respondeu Bino.
 Zeta riu complacentemente e disse: – Sabia que diria isto.
– Então a China, disse Bino.
– Não carajo, ele foi para La Gringolandia, a Nova York para pedir ajuda a eles. A ajuda foi negada; eles queriam a volta do Batista e daí ele teve que correr para os braços da Rússia ou ter a sua revolução aniquilada...
– Marque minhas palavras Tedesco. Tu estás indo para La Gringolandia e  ficarás corrupto.
– Não; não vou!
– Sabe de uma coisa, guri. Estou tentado a deixar tu ires só para ter o prazer de provar o que estou dizendo, e o Comandante parecia estar muito cansado, sorriu ameno e perguntou?
– Então tu és mesmo goleiro?
– Como o senhor sabe?
– Isto não vem ao caso, mas lembre-te: aqui quem faz as perguntas sou eu.
Aí, mudando de assunto, ele voltou ao interrogatório básico:
– Porque tu não compraste passagem de avião de Medellín até a Ciudad de Panama?
– Porque não tenho dinheiro suficiente?
– Ah, não? Quanto você tem?
– Acho que agora estou com uns noventa e três dólares.
– Penses de novo e fale a verdade.
– Eu disse a verdade. Conto este dinheiro todo o dia.
Sarcasticamente o Comandante tirou um envelope branco de seu bolso e disse: E estes quinhentos aqui, neste envelope, e quase esfregou o envelope na cara do Bino, que pode ler seu nome no envelope escrito com a caligrafia da prima Alicia de Buenos Aires.
–Este envelope eu não sabia que estava na mochila.
Então Bino se lembrou que tinha recusado este dinheiro e a sua mente foi até as Tias Maria e Pilly, o primo Edmundo, Alicia, Carlos e os Martinez, e ele sorriu, e disse:
– Comandante eu não tenho nenhum motivo para lhe mentir. Minha prima Alicia deve ter escondido o envelope em minha mochila: Reconheço a caligrafia dela e eu tinha recusado este dinheiro em Buenos Aires.
– Tens família então em Buenos Aires?
– Sim: Duas tias-avós e primos.
–Gostas de ler?
– Muito.
– Qual o livro que andas lendo?
– Um de Pablo Neruda: “Plenos Poderes”.
– E o Sidarta do Hess?
– Este já li várias vezes, A última vez foi ao chegar em Buenos Aires.
– Tivestes sorte...
– Por quê?
– Teu dinheiro estava no Sidarta.