A Capital do Panamá, definitivamente não era lugar para mochileiros.
Não havia albergues de estudantes, não havia albergues religiosos, não havia alojamentos estudantis. Tudo lá era caro em relação a América do Sul e o dinheiro panamenho era o dólar americano.
Caia a noite e parecia que a cidade era uma versão de primo pobre de Nova Iorque, no que tange a negócios.
Parecia que todos queriam vender alguma coisa, com os bazares abertos até à noite, gente andando apressada; muitos ternos e gravatas dentro de carros, a maioria deles carros americanos: De todos os tipos, de calhambeque a carros do ano.
O centro da cidade em realidade não acompanhou o clima de aparente progresso: havia muitas casas de madeira e cobertas de zinco, quase todas com sacadas ou balcões com grades de ferro, e as casas pareciam se encarquilharem com a passagem dos anos.
Eram dez e meia, e Bino estava cansado de andar, exausto da Colômbia, não se sentia seguro na cidade e começou a procurar um local qualquer para por o seu saco de dormir e morrer, quando ele passou a frente de um ginásio, com um ringue de boxe.
Como as portas estavam abertas, Bino entrou no ginásio. A luta havia acabado, e havia um grupo faxineiros limpando o local.
Novamente o tricampeonato brasileiro ajudou Bino. Um mulato mais velho, que provavelmente era o chefe dos faxineiros, conversou um pouco com Bino, e reclamou do futebol do Panamá. Ele disse que o futebol no Panamá era fraco e sem tradição.
O velho assunto abriu as portas de comunicação e logo depois Bino estava com uma vassoura e uma pá, varrendo os detritos debaixo das cadeiras dos espectadores, e passarelas e pondo tudo em latões de lixo - e em troca ele encontrou um pouso para dormir debaixo da estrutura de madeira do ringue.
Enquanto varria, Bino estava intrigado com vários dos negros falando inglês, bem chegado ao Inglês americano que ele conhecia, sem o sotaque peculiar do inglês do Caribe, com algumas inflexões britânicas.
Tão pronto acabaram de varrer o ginásio, Bino se sentou com o seu amigo mulato, que tranquilamente fumava um cigarro e olhava outro preto que passava uma bucha com água e cloro limpando vestígios de sangue na lona do ringue. Os dois negros falaram alguma coisa entre si em inglês sobre cloro na água, mas Bino não os entendeu e curioso perguntou ao velho que sentava com ele: – O senhor é de onde?
– Sou panamenho, disse ele como se fosse isto uma coisa óbvia.
– Mas o senhor fala inglês muito bem, mas não fala como a gente da Jamaica que eu conheci. Vocês são dos Estados Unidos?
O velho negro sorriu e disse: – Bem, viemos há muitos anos da América para trabalhar na construção do “Valão”, entendeu? Do canal. Mas eu creio que eles se esqueceram de levar nossos pais e avós de volta para os Estados Unidos quando acabou a construção, e ele explodiu em uma longa risada cheia de sarro que mais parecia uma tosse.
Também no Panamá, Bino viu várias coisas estranhas: lá havia uma cerca de ferro que separava, literalmente, o terceiro mundo da América do Norte. Parecia um tipo de campo de concentração ao inverso: Um universo de riqueza, fechado por um bolsão de pobreza.
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Panamá para Bino era um país que já era empenado desde o seu Genesis: uma província da Colômbia arrancada à força pela América, com o apoio de alguns navios de guerra e de alguns políticos venais da região, com o objetivo de se construir um “valão” com muitos trabalhadores negros que resistiram à malária - mas não o ostracismo da pátria - e tornando-se um pais condenado a viver na subserviência e discriminação em próprio solo pátrio. Até quando duraria isso?
Esta situação surrealista pensou Bino, não duraria muito com o Comandante Zeta e sua tropa maltrapilha avançando norte. Para segurá-los seriam necessárias milhões de Lacunas de Darién. Aquele país era um arsenal de pólvora, guardado por bêbados fumantes e piromaníacos em uniformes, liderado por futuros milionários e aposentados precoces que viverão abastadamente com dinheiro roubado de seu povo em Miami - a América Latrina dos EUA.
Ao menos que houvesse uma grande mudança no Panamá, Bino não via grandes futuros para o país do “valão” – como os crioulos panamenhos chamavam o canal.
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Costa Rica era um país pequeno, mas progressista e organizado, com boas estradas e grande parte da viagem foi feita em zona montanhosa e de temperatura amena, na Serra de Talamana. Bino chegou até a usar a sua jaqueta náilon e dormiu bastante a noite neste percurso.
Durante a viagem Bino conheceu alguns jovens da Guarda Nacional de Costa Rica que lhe informaram muitos fatos sobre o país, inclusive o de não existir exército em Costa Rica desde 1949 e que a Guarda Nacional ajudava bastante o país em construções civis, e assistência em emergências. Estes jovens, ao chegarem a San José, arranjaram acomodações no quartel para Bino, como convidado, e ele aceitou.
Apesar da aversão que o Bino tinha adquirido aos militares de ditaduras, esta Guarda Nacional de Costa Rica era uma força do, e para o povo.
Em São José Bino mais uma vez chegou à conclusão: nada em si é mau ou bom. O uso nocivo ou benigno de uma coisa ou entidade é o determinante de seus predicados. A farda em si era nada. Uma ditadura sob farda fazia desta um símbolo nefasto.
Bino gostou da Costa Rica, Era um país limpo, estável, industrioso e não tinha um exército regular desde 1949
Mas assim mesmo, a América central da época não era um jardim de flores a ser apreciado. De modo geral a estabilidade local era bem precária.
Meses antes de Bino passar por lá houve a infame Guerra do Futebol entre El Salvador e Honduras. Nicarágua era uma ditadura hereditária e o atual caudilho era o “ Anastácio “Tacho” Somoza, um caudilho criado nos EUA, com educação militar numa escola da Flórida e também na prestigiosa Escola de Oficiais americana de West Point. A família Somoza estava às rédeas do poder em Nicarágua desde 1936 – eleitos ou não.
A Costa Rica era uma estória diferente, sempre houve neste país uma tradição de democracia e Costa Rica era considerada uma nação “iluminada” na América Central, mas mesmo assim com uma série de antigos problemas de fronteira com a Nicarágua.
Quando Bino chegou à América Central, a Nicarágua dos Somozas estava envolvida em uma não-declarada guerra interna contra o movimento Sandinista – um movimento populista de tendências esquerdistas que por muitos anos lutou contra a homogenia da família Somoza.