Na última noite na Associação Cristã de Moços, nos EUA
chamada YMCA, Bino desceu as nove em ponto, de jeans, tênis e uma camisa pólo
branca e contrastava muito com a sua pele queimada das estradas. Passara-se o
tempo e nada do Steve.
Às dez e quinze da noite Bino subiu ao seu quarto,
abriu um pouco a janela e como o Steve, acendeu um Winston e fumou devagar
soprando a fumaça para fora do quarto. Já se preparava para dormir quando em
frente do albergue parou o Fusca vermelho da Jo Ann, ela no volante. Steve abriu
a porta do carona e gritou:
– Brazilian, Brazilian, saia de sua toca que o
mundo te espera!
Em seguida a Jo Ann deitou a mão na buzina rouca e fez
um escarcéu no meio da confusão já existente na rua.
Bino desceu rápido, foi cumprimentado pelo Steve que
já estava com uns drinks na cabeça e sentou-se no banco de trás, com uma
moça amiga de Jo Ann, chamada Cindy. O carro arrancou rápido e Steve foi
apresentando todo mundo:
– Brazilian, aqui no volante esta a Jo Ann,
minha noiva é a mais bonita mulher de Los Angeles.
– Olá, Jo Ann. Parabéns; eu creio que Steve está
certo.
– Ah não comece você também com esta baboseira. O
Steve fala isto de todas as namoradas.
– Do seu lado é a segunda mulher mais Bela de Los
Angeles, a nossa querida Cindy.
Antes de o Bino abrir a boca a Cindy perguntou: – Você
tem um nome?
– Sim tenho. Meu nome é Bino. Bino Tedesco.
– Suponho que você é do Brasil, não é mesmo?
– É do Rio?
– Não sou de lá. Nasci em Vitoria, a seiscentos
quilômetros ao norte do Rio.
– Cindy roubou o cigarro acesso do Steve e perguntou:
– E o que faz você nesta merda aqui, disse ela e
gesticulando com a mão as redondezas.
– É uma estória muito comprida e cansativa que não
quero falar agora.
– Poxa, já começou com a santa inquisição, Cindy? –
reclamou a Jo Ann.
– Cindy hoje é nossa noite de diversão – falou Steve:
– Bob me disse que ele é gente boa e é refugiado político, e voltando-se ao
Bino disse:
– Recebi uma grana boa e hoje é tudo na casa. Estou
bancando.
– Não se preocupe Bino, disse Jo Ann, – Daqui a uma semana
ele estará na merda de novo e os três deram gargalhadas e Bino não entendeu
nada.
* * * * * * * * * * * * * *
Eles pararam no apartamento da Cindy e beberam vinho e
comeram uns queijos e azeitonas de tira-gosto. Os três fumaram um pouco de
maconha e riam como crianças, de tudo. Bino relaxou as guardas e bebeu mais
vinho, sentado num sofá e ouvindo jazz do Stan Getz da Cindy. Jo Ann e Steve
foram para o quarto da Cindy e antes de fechar a porta Cindy berrou para a
amiga:
– Não sujem o
meu edredom, e os dois riram.
Cindy abriu a cortina de sacada e também a porta de
vidro na frente do sofá. A noite era agradável, havia uma brisa suave e a vista
de Hollywood iluminada a noite pareceu deslumbrante a Bino.
Ela sentou se do lado do Bino e disse:
– É bom ventilar um pouco este ar aqui. Vou trazer
mais vinho para a gente; quer mais queijo, azeitonas ou amendoins? Coma pouco,
pois ainda vamos jantar.
E conversaram muito. Ela não era da Califórnia, mas
gostava de lá. Bino falou de sua vida, começando da Escola de Engenharia em
diante. Cindy não entendia o que era uma ditadura e achou tudo um absurdo e se
lamentou que um lugar tão idílico como o Brasil –que ela imaginava- pudesse
estar infectado com esta praga.
Cindy reclamou que o seu Fiat Spider, um pequeno
conversível vermelho de quatro cilindros estava na garagem do prédio com o
motor quebrado e por isto ela estava no carro da Jo Ann. Disse que a Fiat tinha
cobrado uma fortuna para por um novo motor e ela não sabia o que fazer. Bino
lhe perguntou a descrição dos sintomas do motor do carro antes de parar e ela
disse que não queria falar do assunto naquela noite e que de manhã ele poderia
olhar o carro. Bino logo entendeu que não dormiria na rua...
*
* * * * *
Os anos sessenta e setenta nos Estados Unidos, e,
mormente na Califórnia eram tempos e dias loucos.
Era época de protesto contra a guerra no Vietnam, de
distúrbios sociais; de demanda dos negros por sua integração social e
protestando a segregação racial ateando fogo em Agosto de 1965 na Cidade de
Watts, um gueto negro na Califórnia. Para dominar a revolta foram necessários
quatorze mil Guardas Nacionais e mil e quinhentos policiais.
Depois, revolta e protestos pela morte do líder Dr.
Martin Luther King em Abril de 1968; Em Nova Iorque, em Woodstock foi feito o
“mais famoso evento na história do Rock and Roll” segundo o Rolling Stones, com
a presença, do Grupo Graetful Dead,, Blood Swet and Tears, Joan Baez,
Santana, Janis Joplin e muitos outros incendiando os espíritos da juventude
com sentimentos de protesto contra a guerra do Vietnam. Lá entre a multidão de
jovens contestando os valores, protestando a guerra e curtindo a vida deles,
estava a Gandira, a amiga do Bino.
Califórnia estava em pé de guerra. Havia uma
subcultura de drogas e alienação a valores estabelecidos por parte dos hippies
e também a antítese do movimento hippie que era a onda dos Krishina que
buscavam a essência da vida por meio da espiritualidade, via hinduísmo. As
drogas rolavam soltas, a juventude andava sem rumo. Religiões formais e
estabelecidas e valores familiares eram contestadas criando-se um ambiente
favorável a procriação de gente como Charles Manson e seus seguidores. A
juventude andava perdida e mal encaminhada em muitas áreas.
As universidades fervilhavam com todos os tipos de
protestos. Muitos campi se tornaram campo de batalha, como o da Universidade
Estadual de Kent, no Ohio onde quatro estudantes foram mortos. Quatrocentas
universidades e Colleges se fecharam em protesto. Nixon perdeu cinqüenta por
cento de sua popularidade. Havia também uma guerra interna entre o governo
aguerrido e uma juventude desiludida, rebelde e combativa que abominava a
cultura alienada, materialista, engessada e suburbana que se criou na América
depois II guerra.
Além dos protestos e movimentos nesses anos sessenta e
setenta também havia violência nas ruas e vários grupos armados como o Symbionese
Liberation Army e o Black Panthers declaravam guerra aberta ao status
quo americano.
As anfetaminas, maconha e ácido, além de álcool,
rolavam soltos e gangs de motociclistas como o Hell Angels e Mongols cuidavam
em grande parte de sua distribuição e merchandising. Até meados dos anos sessenta, o uso LSD não
era criminalizado e seu uso era intenso nos anos setenta. O ácido
Lisérgico maciçamente fabricado em
qualquer garagem ou fundo de quintal sem grandes problemas era distribuído à
garotada. O Papa do Ácido, Dr.Timothy Leary, bem como o Poeta Allen Ginsberg
apregoava a juventude, a beleza interior e expansão da mente e integração
universal que diziam a droga produzir e entre os ícones e usuários famosos estavam os Beatles e os
Rolling Stones.
Para complicar ainda mais, a Guerra do Vietnam também
contribuiu para o distúrbio social, especialmente durante a presidência de Richard
Nixon: Para a guerra iam proporcionalmente mais negros e outras minorias, do
que brancos. Para ser bucha de canhão não havia descriminação racial e ao
contrário – percebiam os negros – havia até preferência a gente de cor. E
novamente, os Negros se rebelavam também contra a guerra.
Mas uma coisa era comum a todos os soldados,
independentemente de raça, a guerra os transformava: Ela retorcia estes
adolescentes armados e os recambiava aos seus locais de origem transformados
numa juventude violenta, desiludida, cínica e desnorteada - e mutilada física e
mentalmente.
Muitos voltavam da guerra usando do haxixe a heroína -
além de muletas e cadeiras de roda. A taxa de suicídio entre estes retorcidos
era alta e também o índice de distúrbios mentais e violência. O Vietnam quase
acabou com uma inteira geração de guris americanos que foram à luta.
Não era muito fácil ser “careta” nesse tempo na
Califórnia. Como Gandira deveria dizer lá no Retiro Krishina de Ibiraçu, “são
tempos de Kaliuga”, tempos de destruição.
E Bino se adaptou a esta Califórnia louca, livre,
linda, violenta e desregrada: Ele e a Cindy conseguiam viver
tranquilamente no meio dessa loucura, não exatamente como monges - mas também
não como a garotada da pesada.
www.pt.wikipedia.org/wiki/Festival_de_Woodstock
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