Em Tumbes Bino comprou uma passagem na terceira classe no porão de uma Barca Quíchua, como ele havia planejado que saia de tarde e pela manhã chegava a Guayaquil.
Bino já sabia que em Guayaquil circulava o dólar americano, bem como a moeda nacional, o Balboa e ali ele aproveitaria para cambiar todos os Cruzeiros Pesos Argentinos, Condores Chilenos e Soles de Oros Peruanos por dólares para facilitar sua viagem.
A três da tarde, ele entrou na velha barca e desceu duas secções abaixo do convés se alojou na terceira classe, que era o porão. Lá ele conheceu um casal argentino, uma ruiva Mignone chamada Myrta cujo rosto lhe lembrava a Janis Joplin e o seu namorado, cabeludo, pouco mais alto do que ela, um tipo pálido, magro e com uma barriguinha de cerveja e ainda por cima apelidado de Mono.
Eles pretendiam visitar as pirâmides Maia em Guatemala e a caminho conhecer Belize, um protetorado inglês que praticamente cortava o acesso da Guatemala ao mar do Caribe, e segundo o casal era um local mui hermoso e tinha lindas praias mornas e banhadas pelo Caribe.
Enquanto eles falavam da beleza do pequeno protetorado inglês, Bino olhando espantado o número de nativo que empacotava o porão, com suas trouxas de roupa, suas caixas, galhinhas frutas, e todo o tipo de tranqueiras. A mente de Bino estava ocupada em achar um banheiro e uma saída de emergência, mas aparentemente não havia nenhum nem outro. O porão era quente, úmido e fedia,
Bino conversou pouco com a Myrta e Mono, se limitando a dizer que ia visitar uns amigos em Guadalajara, encostou-se ao casco enferrujado da barca e achou melhor nem abrir a mochila ali para retirar o seu plástico para sentar no piso sujo.
Aceitou um cigarro da Myrta e fumou mais para matar o cheio do local.
Após três apitos longos Bino ouviu o barulho do motor, sentiu a trepidação do casco e minutos após ele já sentia o balanço do mar.
A viagem seguia tranqüila, mas havia algumas coisas preocupava o Bino alem do banheiro e saída de emergência: Uma delas era que não havia nenhum colete salva vidas a vista. Outra, não havia extintores de incêndio. Também ele notou que a saída para o convés superior, ou segunda classe, estava fechada com uma grade de ferro e trancada com corrente e cadeado.
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Quase ao lado de Bino havia uma escada íngreme de ferro que levava a segunda classe, mas havia a grade de ferro, fechada a corrente e cadeado, que não permitia o tráfico da terceira para a segunda classe.
A cara do Mono estava sangrando, sua camisa em farrapos, e o moço insultado estava agora irritado com Bino, pois ele estava apartando a briga e evitando que o baixinho furioso esfaqueasse o Mono. Para complicar as coisas a Myrta estava também empurrando os nativos, em defesa do filho-amante e agora eles começavam a bolinar a guria.
Bino gritou a ela para subir a escada e berrar por socorro, o que ela fez. Enquanto isto Bino puxou o Mono escada a cima e disse para ele subir as escadas e juntar-se a Myrta também pedindo socorro.
Em seguida Bino se viu acuado por dois caras com facas agora ameaçando, vagarosamente a dar um bote em cima dele. Com a mochila em seu braço como escudo para se defender ele foi subindo de costas as escadas quando um deles furou a mochila.
– Aí fechou o tempo; Bino se agarrou ao corrimão e se defendia com pontapés, com a bota pesada adquirida no Rio Grande do Sul, e Myrta gritava por socorro e freneticamente sacudia a grade de ferro e Mono tentando também dar pontapés - mais estava muito apalermado para qualquer tipo de ajuda.
Ninguém apareceu para acabar com a confusão. Talvez fosse mesmo por estes tipos de brigas que a tripulação tinha colocado aquela grade e fechado-a a cadeado. Então Bino gritou a Myrta, vamos gritar fogo:
– E os três começaram a berrar: Fogo, fuego, fuego
Quase de imediato um oficial vestido de branco apareceu com um extintor, Myrta gritou para ele que queriam esfaquear seu noivo e que ele já esta ensangüentado.
O oficial abriu a arapuca, ela passou para a segunda classe arrastando a tralha do Mono. Bino continuava a dar pontapés para se defender das facas, quando um dos caras agarrou a sua perna. O oficial esguichou uma nuvem branca de pó anti fogo em Bino e na turba, e continuou esvaziando o extintor em direção a escada, enquanto Bino tossindo e de cara branca passava também para a segunda classe - e outro tripulante que tinha chegado para ajudar, fechava o alçapão.
Por grande parte da viagem Bino ficou tentando se limpar do pó branco do extintor, e os três permaneceram o resto da viagem no “conforto” da segunda classe.
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Guayaquil era uma cidade extremamente quente e úmida ao ponto de ser desconfortável.
Bino trocou todas as moedas latino-americanas por dólares no Banco de Guayaquil, o que deu cento e trinta e dois dólares. Essas notas, Bino escondeu num saquinho de couro pendurado por uma tira ao seu pescoço.
Na rua ele comprou um sanduíche chamado Chivito, ou cabritinho, que era um pão Francês com uma carne deliciosa, mas não identificada, que supostamente era de cabrito e um refresco de arroz, cremoso, branco como leite, muito gostoso e típico de Guayaquil chamado resbaladera. Com o mesmo ambulante Bino adquiriu informações sobre as estradas para Quito e optou pela mais viável que era a Estrada 35, direto de Guayaquil para a Capital do Equador.
À tarde Bino já caminhava pela estrada, agitando a bandeira brasileira pelo acostamento da estrada e um jipe da Municipalidade de Rio Bamba parou e com um engenheiro civil muito simpático, Bino foi até a metade do percurso, confortavelmente.
Parecia a Bino que quanto mais ele se aproximava do México, maior poder o futebol e a bandeira do Brasil exerciam na materialização de caronas.
Apesar de Bino não ter acompanhado de perto a campanha da Seleção Brasileira, na América Latina ele era como um tipo de “embaixador de estrada” da “Seleção Canarinho” e Bino capitalizou bastante nesta simpatia geral para obter suas caronas.
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Em Quito Bino foi bem tratado pelos religiosos do albergue: Teve seu banho quente, almoçou fartamente com os padres, monges e seminaristas e a noite, jogaram xadrez e conversaram assuntos diversos que giraram em torno de perguntas curiosas sobre as andanças de Bino, o que ele achou do Equador e até sobre o Tri Campeonato do Brasil. Também eles demonstraram estar preocupados com as ditaduras na América e fizeram muitas perguntas sobre a situação política do Brasil.
No dia seguinte depois do café da manhã, Bino pediu um pedaço de sabão para lavar algumas pecas de roupa e eles sugeriram que deixasse a roupa num canto do quarto, uma senhora da limpeza iria lavá-las - e se ele pudesse, desse um pequeno agrado a ela.
Bino agradeceu novamente a amabilidade daqueles bondosos sacerdotes, concordou com a sugestão. Aproveitou o resto da manhã e foi remendar algumas meias, dar uns pontos no corte em sua mochila, um recuerdo da Barca Quíchua.
Depois almoçou com os seminaristas e foi tirar uma sesta em seu quarto que no passado foi uma cela medieval, com grades e paredes de quase metro e meio de espessura, aposento espartano, cujos móveis se resumiam em uma cama, cadeira, mesa e um crucifixo.
Bino acordou bem disposto ao redor das três da tarde e decidiu dar um giro na cidade pois o jantar seria tarde, só as oito da noite.
Bino estava apreciando as plantas exóticas do parque central, quando alguém lhe deu uma tapinha em seu ombro: Era o Mono com sua noiva, a Myrta. Ambos pareciam exaustos como se não tivessem dormido por um minuto desde o “desencontro” em Guayaquil.
A Myrta usava óculos escuros, tapando um hematoma no olho esquerdo, que disse ter sido um acidente na estrada e eles estavam cheirando mal.
– Oi Bino, parecem que as estradas foram boas com você, disse a Myrta sorrindo.
– Oi Mono, oi Myrta, eu acho que não posso reclamar delas no Equador.
Aí Mono veio com uma ladainha de problemas que ele teve na estrada, como que “estes índios” nos trataram mal. E uma série de outras conversas, que “ninguém gostava de argentinos” e outras falações. Depois, disse que tentou ir para as praias na província de Esmeraldas, não conseguiu carona e acabou vindo contra vontade para Quito, e Myrta escutava tudo aquilo com enfado e quieta.
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Bino andou rápido seis quarteirões até a rodoviária e provavelmente os monges e seminaristas não lhe envolveram com a polícia porque não ouviu as sirenes para seu lado.
Ele chegou a rodoviária, sentou-se num banco ao lado do guichê que vendia passagens para Tulcan, na fronteira do Equador com o sul da Colômbia. Até a noite Bino tinha que deixar o Equador, pois seu passe de três dias expiraria.
No mapa ele calculou que indo pela Rodovia 25, que era simplesmente a continuação da Carretera Pan Americana, a distância seria de 350 quilômetros, e calculou, que pelas freqüentes paradas do ônibus e pelo estado das estradas no país, que, no mínimo, a viagem seria de oito horas.
Bino queria sair no primeiro ônibus as seis da manhã: Apesar do Equador não ter fronteiras com o Brasil e ele temia que houvesse troca de Telex entre as autoridades militares equatorianas e o DOPS do Brasil e ele pensou que na Colômbia, sob um governo de civis, ele estaria mais protegido.
Às cinco e meia Bino comprou seu ticket para Tulcan e estranhou que o preço fosse tão baixo, até que ele visse o “ônibus” chegar.
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