domingo, 17 de junho de 2012

Vietnã - a sombra da guerra encobre Bino


Mas, parafraseando o velho adágio, tudo que é bom, dura pouco, quando a vida do casal parecia andar cada dia melhor, Bino recebeu uma carta do governo americano que ameaçava a desconstrução da bonita história que eles tinham começado a criar: Bino estava sendo convocado para a guerra do Vietnam.

Já se falava por todos os Estados Unidos na “vietnamização” desta maldita guerra e que as tropas dos EUA estavam sendo drasticamente reduzidas na área de conflito e quando tudo parecia estar indicando o final da guerra e o retorno das tropas americanas, eis que ao apagar das luzes chega esta maldita carta para Bino se apresentar às forcas armadas.

Cindy chorou muito e xingou a guerra, o governo, os políticos e chorou muito mais ainda. Chegou até a propor a Bino para eles se mudarem para o Canadá – país que recebia os jovens que se recusavam a lutar no Vietnam.

Claro, Cindy sabia que voltar ao Brasil poderia ser ainda mais perigoso para Bino e ela realmente não sabia o que fazer. Uma hora ela dizia que queria um filho para diminuir as chances de Bino ir para o Vietnam. Outra hora falava que ele devia se declarar um “CO” um Conscience Objector - termo significando Objeção de Consciência pela guerra - e tentar a sorte em obter um alistamento sem pegar as armas. Mas sendo Bino estrangeiro, ele corria o risco de deportação; enfim, a Cindy não sabia o que fazer.

Um dos companheiros de trabalho de Bino sugeriu que ele deveria se casar logo com a Cindy e não se recusar a fazer o treinamento militar básico que duraria dez meses. Neste período a guerra certamente estaria terminada e mesmo que não estivesse já deveria estar chegando ao fim; nesses dez meses haveria uma redução drástica de tropas americanas e os recrutas casados certamente não seriam convocados.  E foi mais além o amigo, explicando que se a Cindy estivesse grávida haveria ainda menos chances de Bino ir para o Vietnam.



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Os anos sessenta e setenta nos Estados Unidos, e, mormente na Califórnia eram tempos e dias loucos.

Era época de protesto contra a guerra no Vietnam, de distúrbios sociais; de demanda dos negros por sua integração social e protestando a segregação racial ateando fogo em Agosto de 1965 na Cidade de Watts, um gueto negro na Califórnia. Para dominar a revolta foram necessários quatorze mil Guardas Nacionais e mil e quinhentos policiais.

Depois, revolta e protestos pela morte do líder Dr. Martin Luther King em Abril de 1968; Em Nova Iorque, em Woodstock foi feito o “mais famoso evento na história do Rock and Roll” segundo o Rolling Stones, com a presença, do Grupo Graetful Dead,, Blood Swet and Tears, Joan Baez, Santana, Janis Joplin e muitos outros incendiando os espíritos da juventude com sentimentos de protesto contra a guerra do Vietnam. Lá entre a multidão de jovens contestando os valores, protestando a guerra e curtindo a vida deles, estava  a Gandira, a amiga do Bino.

Califórnia estava em pé de guerra. Havia uma subcultura de drogas e alienação a valores estabelecidos por parte dos hippies e também a antítese do movimento hippie que era a onda dos Krishina que buscavam a essência da vida por meio da espiritualidade, via hinduísmo. As drogas rolavam soltas, a juventude andava sem rumo. Religiões formais e estabelecidas e valores familiares eram contestadas criando-se um ambiente favorável a procriação de gente como Charles Manson e seus seguidores. A juventude andava perdida e mal encaminhada em muitas áreas.

As universidades fervilhavam com todos os tipos de protestos. Muitos campi se tornaram campo de batalha, como o da Universidade Estadual de Kent, no Ohio onde quatro estudantes foram mortos. Quatrocentas universidades e Colleges se fecharam em protesto. Nixon perdeu cinqüenta por cento de sua popularidade. Havia também uma guerra interna entre o governo aguerrido e uma juventude desiludida, rebelde e combativa que abominava a cultura alienada, materialista, engessada e suburbana que se criou na América depois II guerra.

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Para complicar ainda mais, a Guerra do Vietnam também contribuiu para o distúrbio social, especialmente durante a presidência de Richard Nixon: Para a guerra iam proporcionalmente mais negros e outras minorias, do que brancos. Para ser bucha de canhão não havia descriminação racial e ao contrário – percebiam os negros – havia até preferência a gente de cor. E novamente, os Negros se rebelavam também contra a guerra.
Mas uma coisa era comum a todos os soldados, independentemente de raça, a guerra os transformava: Ela retorcia estes adolescentes armados e os recambiava aos seus locais de origem transformados numa juventude violenta, desiludida, cínica e desnorteada - e mutilada física e mentalmente.
Muitos voltavam da guerra usando do haxixe a heroína - além de muletas e cadeiras de roda. A taxa de suicídio entre estes retorcidos era alta e também o índice de distúrbios mentais e violência. O Vietnam quase acabou com uma inteira geração de guris americanos que foram à luta.
Não era muito fácil ser “careta” nesse tempo na Califórnia. Como Gandira deveria dizer lá no Retiro Krishina de Ibiraçu, “são tempos de Kaliuga”, tempos de destruição.
E Bino se adaptou a esta Califórnia louca, livre, linda, violenta e desregrada: Ele e a Cindy conseguiam viver tranquilamente no meio dessa loucura, não exatamente como monges - mas também não como a garotada da pesada.

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O pagamento mensal militar de treinamento básico no exército era uma esmola de ajuda de custo - e isto sacrificava o pagamento das despesas da casa. Bino então decidiu se alistar na Marine Corps, os Fuzileiros Navais, um grupo militar de elite, onde poucos eram selecionados e que exigia treinamento rigorosíssimo. Mas nos Marines o pagamento durante o treinamento e combate era bem melhor.
Cindy estava deprimida com a situação militar do marido e este se recusava a fugir para o Brasil ou Canadá. Para Bino não fugir dos EUA, perversamente em sua mente de jovem, era uma questão de honra, de não ser chamado de “desertor” ou “covarde”.  Era algo que ele não sabia explicar bem, que ele não achava lógico ou acertado – porém não podia agir de outro modo.
Ele foi mandado para o campo de treinamento básico dos Marines em Pendleton no Condado de San Diego, localizado entre as cidades de San Clemente e Oceanside, a uma hora e meia de carro de Los Angeles em dias de tráfego favorável.
A sua folga era pouca. O treinamento de doze meses era duríssimo e longo.  Muitos não passavam a prova de fogo e eram rejeitados. Os que permaneciam era chamados “The few, the proud, the Marines” – Os poucos, os orgulhosos, os Fuzileiros Navais - e Bino gostou de ser um dos poucos escolhidos entre muitos chamados.
Também havia uma camaradagem imensa entre “os escolhidos”. O lema dos Marines é “Semper Fidelis” e eles realmente eram fiéis uns aos outros.