Bino ouvia e enfiava os sacos de papel com os lanches na mochila e
tentava acomodar de qualquer jeito a pequena garrafa térmica na mochila.
Ele estava lívido de medo.
– Você tem que chegar a Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. Este e o
seu destino final. Se puder evite as capitais: principalmente Porto Alegre.
Lá a barra pesa. Os milicos são fortes por lá.
– Entendi.
– Memorize este número: 48-5000. Pense rápido: o numero começa
com o numeral quatro, o segundo e o dobro do primeiro e o terceiro
numero e cinco mil. Memorize isto.
– Mas...
– Memorize homem; estamos chegando. Termine de enfiar esta térmica
nesta merda de mochila, logo!
– quatro – oito - cinco mil, repetiu ele.
– Nunca escreva este número. Guarde só na cabeça.
– Chamando o cara de Uruguaiana de cara ele vai lhe perguntar se você
viu o Fidelis. Aí você perguntara a ele: Qual Fidelis?
– Ele lhe respondera: – O amigo do Lelé do Rio. Lelé Boca Mole, só isto.
– Amigo do Lelé Boca Mole repetiu Bino.
– Se ele não falar no fulano este, saia fora, deu zebra.
– Os contra-revolucionários já devem ter também a sua ficha. Não
se espante se receber ajuda de fontes inesperadas. Ainda por cima,
por trás de você parece haver um “costa quente”. E parece ser ele
um “cachorro grande”.
– Começando agora e ate o final do mês, ponha sempre um pontinho
preto no pulso direito, acima do seu relógio; um pontinho discreto. Isto
poderá abrir algumas portas.
– Mas tem muitas coisas a guardar na cabeça e estou nervoso, gaguejou
o Bino suando fedido de medo.
– Olhe seu merda, você vai se sair bem. Você tem que salvar seu pelo,
pois você tem muito a testemunhar!
– Já estamos quase lá: Gritou Antônio pisando a fundo no acelerador.
E continuou num só fôlego:
– Primeiro a Kombi. A o cara trocando pneu é louro. Placas de São Paulo.
– Cara louro placas de São Paulo, gaguejou Bino.
– Se não aparecer, se vire! Pegue carona e suma daqui e depois vá
para o litoral, por lá tem mais caras de mochila, estes turistas baratos
e andarilhos argentinos.
– Sim. Pelo litoral...
– Telefone de emergência; 248-...
– Cinco mil, completou Bino.
* * * * * * * * * * * * * *
Saiu sorrateiramente do silo sujo e o ar na noite quase lhe fez mal.
Ele pegou capim seco que havia ao redor e tentou cobriu a evidencia
de sua estadia naquele buraco da melhor maneira possível e em
seguida agarrou a sua mochila e foi pelo mato beirando a estrada
em direção ao Scania.
Encontrou um local onde as cordas de amarração da lona não
estavam tão apertadas e afrouxou-as ainda mais e conseguiu
entrar na carga.
Sabendo que o motorista poderia notar o ponto de entrada na
carroceria ele se encolheu entre dois fardos bem na dianteira
da carga, se enrolou num plástico que devia ser sobra para embrulhar
algum fardo, e mais ou menos se enterrou em algodão.
Ao redor das duas da manhã o caminhão saiu e o motorista nem
notou que parte da lona estava frouxa. Aparentemente para Bino o
caminhão ia em direção oposta ao porto, mas depois de um tempo
na estrada sinuosa ele perdeu totalmente o seu senso de direção.
O caminhão seguia devagar e Bino adormeceu. Mais ou menos uma
hora depois o caminhão parou, parecia ter parado num posto da
policia rodoviária, ele ouviu a conversa do caminhoneiro e policiais,
mas era assunto de documentação e peso de carga, e o caminhão
seguiu em frente.
Bino escutou que a lona frouxa do lado do caminhão, por onde ele
tinha entrado, começava a bater no vento.
Às três da manhã o caminhão parou num posto. O motorista reclamou
com um dos atendentes que a lona havia se afrouxado e batia tanto
que ele nem podia se concentrar na estrada; após o abastecimento o
motorista e o atendente apertaram as cordas e prenderam bem a lona;
em seguida o caminhão deixou a bomba de gasolina e ganhou a estrada.
Tudo estava escuro e ele pensou ouvir o nome São Jose dos Pinhais.
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Joinville era uma cidade pequena e linda, praticamente espremida
entre a majestosa Serra do Mar e a linda Baia de Babitonga. Lá, sem
maiores problemas, Bino conseguiu pouso num alojamento Católico.
Quase tudo parecia ser bem organizado em Joinville: O alojamento,
os padres, o povo e a cidade. Ele se sentiu como se estivesse numa
vila européia de um dos filmes que tinha visto.
Não parecia Brasil. Certamente não a sua João Neiva. A cidade pulsava,
os locais andavam rápidos e com propósito em seus movimentos,
suas respostas eram breves, educadas e no ponto, não havia sujeira
nas ruas e mais: o jornal local era escrito meio a meio: em português -
e alemão gótico.
Uma coisa que Bino nunca se esqueceu de Joinville é que lá foi o
primeiro local do Brasil que ele viu louras tingindo o cabelo de preto.
Joinville tinha muita influência nórdica: Na cidade ele comeu muita
comida alemã e até comeu sauerkraut, como eles chamavam o chucrute.
Nas padarias havia pães que ele nunca tinha visto - como os pães de
centeio, as cucas e muitas variedades de confeitaria, Bino comeu muita
batata, quase não viu o feijão e nunca viu tantas variedades de salsichas,
as quais os locais chamavam de wurst.
Cerveja nem se fala: tomavam em grandes copos de vidro grosso que
eles chamavam em alemão de Stein e tinha uma cachaça alemã chamada
de Steinhaegger que deixou Bino com dor de cabeça.
A cidade era pitoresca, a bem perto da Baia de Babitonga, local
deslumbrante, na época com muitas praias e enseadas prístinas.
A cidade tinha um distrito industrial muito grande, e Bino pensou que
voltando ao Brasil, lá seria um bom lugar para encontrar trabalho e se viver.