sábado, 28 de abril de 2012

BEM VINDO A LOS ANGELES



            O ônibus nem bem parou na estação rodoviária de San Izidro, Bino começou a se lamentar do modo ríspido com que tratou os culeros de Tijuana: San Yzidro parecia ser ainda o México.

            Quase todos na rodoviária pareciam mexicanos e falavam espanhol. Claro, Bino sabia que já estava na Califórnia, EUA, mas parecia ainda a Baja Califórnia. Quase todos os letreiros que ele viu nos arredores e também na Rodoviária estavam escritos em espanhol e as pessoas, em sua grande maioria, naquela cidade eram latinas e falavam o espanhol.

            Quanto ao inglês que Bino aprendeu em São Paulo com o Pastor Tommy e seus amigos, era quase inútil e parecia piada sem graça. Parecia que na fronteira o povo falava muito rápido e usavam palavras e contrações verbais que ele nunca tinha escutado antes. Também as muitas palavras novas e xingamentos. Enquanto Bino parava para meditar ou puxar do fundo do baú da sua mente uma determinada palavra para entender uma sentença, o interlocutor já estava a duas frases adiante e usando mais novas palavras que ele nunca tinha escutado.

            Parecia que eles falavam num patoá que não dava para ele entender, mesmo tendo aprendido um caminhão de gramática. Seria isto o chamado texmexican?  Um tipo de inglês de fronteira diferente? Mas talvez em Los Angeles fosse diferente e ele entenderia mais, pois lá é bem EUA, lá está Hollywood e todos aqueles artistas.
            Frustrado ele pensou em sair do ônibus e esticar as pernas um pouco mais, mas sentiu que estava sendo observado por um homem moreno vestindo calca jeans com cinturão de fivela prateada, botas texanas e chapéu de vaqueiro de feltro negro. Ele estava sentado num banco, cigarro no canto da boca e olhava para outro lado, mas Bino sentiu que a sua visão periférica estava cravada na porta do ônibus.

À medida que o ônibus se aproximava da cidade, Bino já via alguns edifícios altos e se admirou como a cidade era espraiada e as casas eram amplas e bem separadas umas das outras, em muitas ele pode ver piscinas e não havia muros entre as gramas das casas.

            Do ônibus Bino viu algumas marinas e ficou abismado com o número de barcos que lá estavam ancorados.  San Diego pareceu a Bino uma cidade limpa, moderna, bonita e bem cuidada: havia carros de todos os tipos por todos os lados, mas Bino estranhou que não havia muitos edifícios altos e o número pequeno de pessoas andando em suas calcadas no centro.

            Ele viu algumas viaturas da Marinha de Guerra Americana e muitos marinheiros e de imediato se deu conta que lá deveria ter uma grande base da marinha e ele estava certo sobre esta suposição. Bem, pelo menos não eram tanques verde oliva e nem milicos de Exército, pensou ele.

            Bino desceu na rodoviária limpa e ampla esticou as pernas, mas não saiu de perto do ônibus. Olhou cuidadosamente ao seu redor e notou que havia mais americanos naquele local, mas assim mesmo continuava uma forte influência de pessoas que pareciam ser de origem latina.  Bino respirou fundo e ficou mais aliviado por não ter encontrado nenhum tipo suspeito, nenhum destes latinos de mau caráter como os culeros de Tijuana ou San Izidro.

            Foi arisco ao banheiro, e o local era limpo, e estava com bastante usuários. Bino lavou-se cuidadosamente com sabonete liquido, havia água quente na pia e muitas toalhas de papel para se secar. Eles falavam em Inglês, mas lá Bino também não entendia nada. Talvez fosse o sotaque de perto da fronteira, ou o modismo do sul da Califórnia que fizesse o inglês ser tão diferente do que ele falava com o Tommy.

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A viagem para Los Angeles foi rápida. Durou cerca de duas horas e meia. Bino dormiu um pouco e por breves períodos acordados se abismava com as super estradas, os freeways.  Seu ônibus ia por uma auto estrada de múltiplas pistas com fortes divisórias de cimento armado, era bem sinalizada e não tinha cruzamentos. Havia enxames de todos os tipos de veículos por todos os lados e ele ficou de boca aberta em ver tantos conversíveis enormes, de capota baixa, muitos deles dirigidos por mulheres e negros, fatos que ainda não estavam programados a serem aceitos em seus circuitos de assimilação.

A estrada se intercalava com rampas, viadutos e trevos suspensos a conectando com outras auto-estradas formando uma admirável malha rodoviária.

Bino ficou boquiaberto, com a quantidade enorme de construções, de casas, vilas e mais construções que ele via; parecia que os americanos eram formigas que estavam sempre trabalhando em alguma coisa. San Diego devia estar quase que conectada a Los Angeles por construções, casas, vilas e fábricas

Maravilhado, Bino dormiu um pouco mais e quando menos esperava já estava no centro de Los Angeles, local cheio de edifícios altos e movimentado. Era uma cidade maior do que San Diego, mas era desleixada. Perto da humilde rodoviária, ele viu muita gente suja e mal vestida, aparentemente pedintes, viu novamente muitos latinos porém ficou mais impressionado com o número de negros que tinha a cidade. Nunca em filmes americanos Bino tinha visto tantos negros.

Finalmente o ônibus chegou ao centro de Los Angeles, parou num tipo de sobrado velho onde era a parada somente para os ônibus da Companhia Greyhound. Bino não gostou da primeira impressão da cidade. Talvez melhor fosse começar tudo por San Diego ou outra cidade, ele pensou.

Saltou, pegou sua mochila e mostrou ao motorista um papel que estava escrito “SALVATION ARMY” e este lhe apontou uma direção e falou algo que Bino não entendeu. O motorista observou que Bino não entendia nada e explicou novamente desta vez falando mais alto. Embaraçado Bino sorriu, fingiu que entendeu e partiu na direção apontada. Ele repetiu esta operação algumas vezes e seguiu sempre na direção apontada.

Bino observou que a área se tornava cada vez mais densamente povoada de negros e vendo isto temeu pela sua segurança. Os negros dos Estados Unidos só eram do tipo raro, chamados no Brasil de “negões”. Gente grande, vestidos diferente, a maioria era quase azul-marinho. Eram muito diferentes dos cafuzos, mulatos e pardos que ele sempre conviveu harmoniosamente no Brasil e ele ficou meio sem entender nada.

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O local deu medo a Bino. Definitivamente estava povoado de todo tipo de raça e de gente, mas uma coisa era comum: ali só existia gente da última estação do trem da vida. Amputados da guerra do Vietnam, gente com a aparência de drogado, bêbados, vagantes, desocupados e uns poucos que se via que estavam fazendo força por um tipo de recuperação sócio-espiritual, tentando galgar a penúltima ou antepenúltima estação da vida para seguir rumo melhores posições.

Na portaria Bino foi atendido por um senhor de meia idade, vestindo roupas usadas e de tamanho pelo menos uns dois números maior do que o seu tamanho. Olhando-o mais de perto, Bino notou que o homem não deveria ter mais do que trinta anos, mas o desgaste de sua vida lhe dava uma aparência de velho. O homem sorriu para Bino, o chamou de “irmão” e placidamente lhe deu um sorriso de boca desfalcada de dentes.

Em seu inglês limitado, Bino mostrou o passaporte, disse que era do Brasil, e que tinha uma carta de apresentação para O Exército da Salvação. Procurou no fundo da mochila, abriu uma bolsa de plástico com seus documentos e tirou um envelope amarrotado com uma carta datada de meses atrás, escrita em papel timbrado do Exército da Salvação e assinada pelo Pastor Tommy e com o carimbo da instituição em São Paulo.


Após ler cuidadosamente a carta do pastor Tommy, o jovem-idoso da portaria o olhou bem da cabeça aos pés, sorriu como alguém da família dele lá estivesse, estendeu o braço apertando calorosamente a mão de Bino e disse num inglês compassado e claro:

            – O meu nome também é Thomas. Robert Thomas. Chame-me de Bob

            Em seguida, Bob cadastrou Bino na recepção, anotando seu número de passaporte e de data de chegada. Terminada a burocracia ele pegou a mochila do Bino, ignorando as suas reclamações e a levou até o segundo andar. Deu a chave de um minúsculo quarto com duas camas ao Bino, apontou um armário de ferro lhe dizendo para guardar tudo sempre lá, lhe deu o cadeado e os seis números de sua senha e disse:

            – O banheiro é coletivo e está no final do corredor. As suas toalhas estão sob o travesseiro. O culto da manhã é às 6 horas e o café da manhã é depois do culto - para os que participaram do serviço. Seu período de estadia aqui deverá ser de 72 horas. Em casos especiais poderemos estendê-la um pouco mais. Aqui não se fuma, não se bebe, não pode haver uso de drogas e não pode entrar mulher. Você me entende?

            Bino entendeu e balançou afirmativamente a cabeça e disse que entendeu tudo de modo claro. Bob sorriu e continuou devagar, claro e pausadamente.

            – Cuidado. Aqui há todo tipo de gente. Olhe sempre suas coisas e mantenha todos os seus pertences o tempo todo chaveados.  Cuidado com as ruas. Aqui em Los Angeles corre muita droga e há muitos homeless, viciados em drogas e alcoólatras. Cuidado com as ruas e a polícia...

            Bino se apavorou. Ele sabia que dentro de três dias ele teria que deixar o albergue e se defender por conta própria e o que ele viu e ouviu lhe deram medo.

                                                          

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