segunda-feira, 1 de agosto de 2011

UM POUCO MAIS DE DEGUSTAÇÃO


... O consenso geral dos novos amigos do Chile era para Bino sair bem apressado de Santiago e, se possível, do Chile. A despedida foi até as 03h00min e depois de um café da manhã rápido, às 08h00min Bino já estava pedindo carona em direção à Carretera Pan Americana, indo em direção norte, para o Peru, e havia pouco movimento de carros, e os poucos veículos na estrada não paravam para ele. Bino andou mais de 20 quilômetros até às 14h30min, já estava na Estrada Pan Americana indo ao norte, dezenas de carros e caminhões passaram por ele e ninguém parava. Ele estava exausto, seus pés doídos e inchados, suas pernas exaustas, seus ombros feridos pela alça da mochila, mas ele seguia andando temendo que, se parasse, pudesse ser recolhido pela Policia Militar para investigação. O solzinho da tarde fria se escondia rápido e em breve viria a noite. mais carros passavam e continuavam a ignorar  Bino, um caminhão e duas caminhonetes até chegaram a diminuir a marcha como se estivessem relutando em parar, mas quando Bino corria até eles, como se mudassem de ideia, os motoristas aceleravam e seguiam viagem. Outros passavam por Bino, visivelmente chateados por não poderem ou não terem coragem de parar, mas seguiam viagem mesmo assim. A grande maioria dos carros ia à direção norte e aparentemente poucos queriam estar em Santiago. Alguma coisa deve estar bem errada na capital, pensou Bino. Talvez os motoristas estivessem com medo de pegar um terrorista ou fugitivo com uma mochila nas costas fugindo da capital. Então Bino se lembrou de uma bandeira brasileira que tinha ganhado dos Lewaschins em Passo Fundo. Ele abriu a mochila, tirou a bandeira que estava cuidadosamente dobrada, abriu-a, e com ela começou a fazer sinal para os carros agora identificando a sua nacionalidade. Já caia a tarde quando Bino viu um tipo de lotação, que os chilenos chamam de micro; era um Chevrolet 1956, mas sem identificação ou placas designando seu destino. Bino foi para o meio da estrada acenando a bandeira enquanto a lotação de destinação anônima subia laboriosamente a lomba e ele ficou em frente do carro até ver o motorista, um senhor com óculos de tartaruga, jogar o micro ônibus para a esquerda para sair fora dele e seguiu ladeira acima voltando para sua pista. Em seguida Bino viu as luzes do freio se acender e o micro ônibus parou. Depois a porta foi aberta e um jovem de boné branco abriu a porta e gritou;
 – Eh loco! Eres de Brasil?
 – Porra não está vendo a bandeira? gritou Bino em português substanciando sua nacionalidade, e em seguida correu para o lotação.
 * * * * * * O motorista do lotação não identificado era um senhor de quarenta e poucos anos, magro, claro, com um a cara de intelectual e vestia roupa cáqui. Ainda com cara de assustado e aborrecido pelo quase acidente causado por Bino perguntou?
– Para adonde vas?
 – Machu Pichu, no Peru, mas qualquer quilômetro para o norte é bom.
 – Nós não estamos indo muito longe...
 – Senhor qualquer ponto adiante está bom. Estou andando desde as oito da manhã e nunca vi na estrada um dia como hoje: Ninguém parou. 
Um senhor claro com cara de estrangeiro, falou em perfeito espanhol:
 – Luis, talvez nós necessitemos de um cozinheiro.
E o outro senhor, Luis, de trás do volante perguntou:
 – Você sabe e pode cozinhar?
Bino estranhou o “pode” especificamente sendo colocado na pergunta. Curioso, ele rapidamente vislumbrou o lotação com os olhos e viu que ele era um camper, com beliches, pequenos compartimentos, micro cozinha com fogareiro e geladeira, duas mesinhas, estantes cheias de vidros e latas de conservas e outros vitais, e do modo como estavam estocados pareceu a Bino que eles iam acampar em algum lugar - e por bastante tempo.
– Claro. Cozinho arroz, faço risoto, feijão, polenta e comida brasileira em geral.
O cavalheiro sentado num beliche atrás do camper, demonstrando conhecimento do Brasil, perguntou:
– E feijoada e caipirinha?
– Só me dar os pés e as orelhas de porco, cachaça e limão e o senhor terá os dois.
Todos riram.
– E se não tiver cachaça a faço com vodca, pisco, grapa e até com álcool de cana! Riram mais ainda.
– Eu não bebo. Isto é para o Sr. Gastón. Mas você me garante a feijoada?
– Agora, disse Bino.
– Bienvenido. E puxando uma alavanca manual no painel fechou a porta do carro e completou:
– Nada de feijão dentro deste carro; aqui o espaço é muito confinado... E continuou, num espanhol muito casto e desenvolto:
-Tu nombre es?
– Senhor meu nome é Bino Tedesco.
– Não necessita de chamar ninguém aqui de senhor. Meu nome é Luis Guzman, o cavalheiro conosco é o Gastón MacLean e estes são nossos assistentes o Lucho e o Pablo.
Bino sorriu para todos e disse:
– Mucho gusto, encantado.
 – Agora falando sério, Bino, nós estamos numa expedição científica. Eu sou Entomologista e o Gastón, Ornitologista. Estamos indo fazer um trabalho de campo no Deserto de Atacama ao norte do Chile e sul do Peru. Pelo menos lhe garanto uns 450 quilômetros a mais para o norte. Durante a viagem conversaremos mais e veremos o que eu posso fazer. Ponha a sua mochila no beliche de trás e se acomode em qualquer lugar.
* * * * * * Para Bino o micro ônibus do Dr. Luis era um paraíso. O Professor Luis Pena Guzman, Bino cedo descobriu, era um renomado entomologista, catedrático na Universidade do Chile, adido da Universidade de Harvard nos EUA, com mais de quatrocentos tipos de novas espécies e subespécies de insetos encontrados e catalogados por ele. Seu amigo de viagem é o Senhor Gastón MacLean, um intelectual, nacionalista chileno e ornitologista que havia dois anos publicou um livro intitulado A Bird Watcher Abroad Chile ou “ Um observador de Pássaros fora do Chile”. Dr. MacLean era um chileno, descendente de inglês-escocês, que imigraram para Punta Arenas, sul do Chile, nos anos trinta. Os rapazes assistentes do Dr. Luis eram aproximadamente da mesma idade do Bino, sendo que Lucho era o de boné branco, extrovertido, tocava violão e era brincalhão e o Pablo, mais tranquilo, dedicado aos livros e era mais quieto. Dr. Luiz tinha um fino humor e estava sempre sorrindo, exceto no trabalho. Já Dr. Gastón, era tranquilo, cordial, mas do tipo observador. Parecia que os chilenos estavam mais envolvidos com a Bossa Nova do que os próprios brasileiros. No ônibus eles perguntavam muito sobre a música brasileira e muito sobre a Bossa e seus compositores. Eles conheciam Tom Jobim, Menescal, Vinícius, João e Astrud Gilberto, Sérgio Mendes e por aí vai. O Lucho também gostava muito do Roberto e Erasmo Carlos. Em menos de uma hora de viagem Bino estava sendo assediado para cantar Garota de Ipanema, que eles diziam que deveria ser o Hino Nacional do Brasil. Lucho levava a música muito bem no violão, Pablo ia bem numa caixa de fósforos e Bino fez o possível num desempenho medíocre da música, mas foi muito aplaudido. Dr. Luis devia estar apressado. Só paravam o ônibus para abastecimento, sanduíches, café e refrigerante, que geralmente era Tang em pó, no mais era o ônibus seguindo em frente. Professor Luis passou o volante do camper para o Dr. Gastón e a viagem seguiu norte pela Carretera Pan Americana e havia trechos lindos do Oceano Pacifico à esquerda e as montanhas íngremes da cordilheira à direita e às vezes passando por lindos vales verdejantes brotando no meio de uma região desértica, regadas com águas cristalinas que desciam dos longínquos Andes que se via ao fundo. O espaço no ônibus era precário e a Bino lembrava o ambiente acanhado dos submarinos da Segunda Grande Guerra que ele tinha visto em filmes. Também a utilização de espaço era semelhante. E aquele laboratório móvel de estudos de insetos tinha um cheiro discreto de formaldeído - que não era o predileto do Bino. Mas mesmo assim, ele era agradecido pela carona e também pelos novos amigos. Bino perguntou a Lucho se eles tinham barracas no ônibus e eles tinham; ele se propôs dormir nela ou no chão do ônibus em seu saco de dormir, mas debaixo de um assento, poderia se puxar uma cama desmontável na qual Bino poderia se acomodar. O Lucho, meio malandro, tinha contrabandeado em seus pertences uma garrafa de pisco, e enquanto Doutor Guzman cochilava, ele tomou um bom gole e a passou para Pablo que a declinou, e Bino, mesmo temeroso, tomou também um golinho de boa solidariedade. Aí ele começou a tirar uns acordes diferentes em seu violão, e depois Bino descobriu que eram de uma música do interior do Chile chamada Cuenca ou Guarachas. De trás do volante, e atento na estrada, Dr. Gastón pediu a Lucho:
– Lucho, tu sabes tocar Si vás para Chile? A resposta de Lucho foi dedilhar os primeiros acordes da música, e de um frasco de formaldeído vazio, que ele tinha posto o pisco, sorveu um longo gole e voltou à música. Ai houve um silêncio no ônibus e só se ouvia o ligeiro ressonar do Dr. Guzman no beliche de trás. O momento era solene. Lucho afinava as cordas da guitarra com a precisão calma de um franco atirador até que o alvo da harmonia foi atingido em cheio. Seu rosto se encostava à guitarra como se ele lhe estudasse as entranhas, o coração do instrumento em busca do acorde perfeito.
http://www.youtube.com/watch?v=GYl-AivBCaE&feature=related  (escute a música)

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