A primeira pedrada ao vitral, como profetizado e colocado em
palavras pelo Vito, foi um “caminhão de bosta que bateu na hélice de um
avião Hércules”:
O prefeito Andrade no mesmo dia foi ao Palácio do Governador
na Capital e o cumprimentou com o “verdadeiro” aperto de mãos de Mestre
Maçom.
Aliás, alguns parasitas que orbitavam em volta do governador
ficaram perplexos e enciumados pelo modo “afetuoso” com que o prefeito
de João Neiva cumprimentava o governador. Para eles esta “agarração
de mão” era “um modismo matuto de um prefeitinho pé-de-chinelo e
bajulador”. Um dos assessores do governador chegou até a brincar:
– Está bem, Senhor Prefeito, agora o Senhor pode largar a mão do
Governador –, mas os dois o ignoraram.
O Governador e alguns sábios políticos, incluindo-se gente de
seu gabinete, deram atenção ao relatório verbal do prefeito sobre as tribulações
que a Loja Azul vinha enfrentando em João Neiva.
Bino não sabia a estória toda, mas certamente o prefeito devia
ter “soltado os cachorros nos padres,” que andavam “comendo o cérebro”
do povo da cidade: Alguns até já deviam acreditar que o templo dos
bíblias era mictório infantil, que os bodes adoravam o Diabo na figura do
Bode Negro, e que vitral de Loja Maçônica era alvo de pedradas.
O Vito, em sua linguagem arcana, bem tinha avisado ao Bino:
– Não entre nesta, Bino. É “boca de capeta”. Esta gente anda cutucando
onça de vara curta e ainda pior – "eles não sabem por onde o peixe
mija!” E por muitos anos Bino não entendeu esta alusão ao urinar de
peixes.
Mas, de qualquer forma, o governador convocou a cúria e teve
uma reunião com uns poucos “entendidos do assunto” e entre eles, estava
o Juiz Hudson de Aguiar, o Prefeito Andrade, o Pastor Wilson do Amaral
Tanini, vindo de Niterói e o bispo Fuchs da Capital.
O que foi dito e concordado entre eles ninguém sabe, mas os
sacerdotes italianos foram transferidos para outro Estado e os substitutos
deles deixaram os maçons em paz daquele dia em diante.
Eles também se retrataram da estória por eles criada de “bodes
pretos” e, a partir de então, passaram a referir-se aos frequentadores da
loja como “nossos amigos maçons”.
* * * * * *
Com respeito ao problema que os “Bíblias” estavam enfrentando
em sua igreja, para eles a solução veio de um modo mais simples.
Um dia um corpulento texano foi até a Vila numa caminhonete
Ford F-100 novinha em folha, calçando botas do faroeste, usando chapéu
enorme e, como se diz no Texas, de cinco galões, que segundo Vito
“cabia água dentro dele para dar de beber a meia dúzia de vacas.” Vito, não
se sabe como, descobriu depois que seu nome era Larrison H. Pike.
A visita do Gringo curiosamente se deu num dia de reunião na
Loja Maçônica. Desta história poucos conhecem seus detalhes, pois a
maior parte dela aconteceu dentro da tal Loja Azul. Muitos viram aquele
corpulento americano de rosto avermelhado, estava com um lenço na
mão e suava bastante.
O carteiro de João Neiva disse que ouviu da irmã de um Bode,
que o Gringo era familiar a todo o procedimento secreto deles. Ela notou
que depois de apertar mão do pessoal em frente da loja e falar um
pouquinho com o tal Mestre de lá, o Gringo voltou à caminhonete, pegou
um tipo de batina preta e uma vestimenta que parecia um babador
ou avental trabalhado em azul - e conversando e rindo familiarmente
entrou na loja com os bodes.
Na reunião foi-lhe dada uma oportunidade de dirigir-se a seus
irmãos e ele deu início à sua palavra com um sinal que era conhecido
somente por eles, o Grande Sinal de Socorro.
É pensamento geral que ele falou com seus irmãos sobre a perseguição
aos batistas, e eles certamente o ouviram com atenção. Ao deixarem
a loja, todos se abraçaram e quase nada de importante falavam.
Vito Cuzzuolli, sempre velhaco, escutando às escondidas, conseguiu
captar alguns pontos das conversas deles e começou a espalhar
rumores. Uma coisa que ele contou para todo o mundo foi que o pai do
texano era falecido, pois ouviu o americano dizer meio choroso que sua
mãe era viúva.
“Certamente”, dizia Vito “com dó do gringo órfão, os bodes lhe
disseram que fosse em paz e que eles se encarregariam de acabar com a
mijação de igreja.”
* * * * * *
A solução veio assim: em João Neiva havia um luterano gigante,
meio brasileiro, meio alemão, de nome Otto Kahle, que era quieto, de
pouca conversa, muito controlado, mas de gênio explosivo.
Este Otto foi sumariamente declarado o Delegado Interino da
vila. A pessoa que ele escolheu para ser seu braço direito, também era um
filho de Bode.
O delegado Kahle era um colono aparentemente calmo e de muito
boas maneiras, mas era sempre muito objetivo, ou no linguajar do povo,
“curto e grosso”.
Em seu primeiro dia como Delegado, ele foi visitar os párocos
locais e convocou uma reunião na Casa Paroquial. O que lá aconteceu,
todas as velhas senhoras da Vila, com ligeiras alterações, até hoje contam
com certo excitamento e com risinhos nervosos.
O delegado foi à Casa Paroquial e expôs casualmente aos padres
e seus párocos que na reunião estavam, como um fato consumado, que
“a partir daquela hora, ninguém vai causar qualquer dano na propriedade
da Igreja dos Bíblias” e, com polidez, sorrindo afavelmente, continuou a
discipliná-los:
– Senhores, eu detestaria ser forçado a castrar alguns dos meninos,
pois esses são bem jovens e deles se espera que cresçam se tornem
homens de respeito: – Que se casem e tenham uma família -, disse ele
acentuando algumas palavras.
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