O pequeno mundo criado por Bino no interior de São Saulo era pequeno,
mas bem organizado e ele jamais imaginaria que a sua aparente
segurança na sua querida Papabesourolandia em breve iria
desintegrar-se.
Um de seus colegas de quarto, Newton, tinha um quadro com uma
foto de Che Guevara, retirada da capa de uma velha revista. Esse
quadro estava afixado numa das paredes do apartamento deles.
O jovem estudante não tinha inclinações políticas e, além da
engenharia, seu único foco de interesse eram as moças.
Newton era um rapaz atraente, alto, de cabelos ondulados bem
escuros, e tinha um grande número de moças à sua disposição.
Ele era um rapaz do tipo despreocupado, confiante em si mesmo,
e sua pretensa atitude de protesto era muito bem representada
pelo pôster de Che Guevara ali no seu quarto – o que lhe propiciava
até mesmo uma popularidade maior com as garotas.
Todo o mundo gostava muito de Newton. Ele não ligava para
dinheiro. Alguns dias depois de receber a mesada de seus
pais ele já estava curto de dinheiro, mas era feliz tanto quanto
podia. Ele jogava futebol no time da Unicamp, e era um dos
atacantes da equipe. Ele sempre marcava gols, até mesmo
quando jogava com ressaca de bebidas.
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Numa quarta-feira, Bino e Newton estavam em seu apartamento
em Atibaia sem mais ninguém, pois o outro colega de quarto,
que tinha uma personalidade um tanto evasiva e tímida, havia
se retirado por alguns dias.
Às três horas da madrugada, cinco agentes do DOPS, esse abjeto
Departamento de Ordem Política e Social, arrombaram a porta de
entrada do apartamento, armados com armas de mão e
submetralhadoras.
Bino e Newton foram levados para a sala. Um dos oficiais
retornou ao quarto de Newton, arrancou o quadro de Che Guevara
da parede e o levou para a sala. Os oficiais pisotearam no quadro,
esmagaram com seus pés a figura e depois puseram a cara do
Newton nos estilhaços de vidro, pedaços de moldura quebrada
e papel espedaçado e gritavam para e que Newton comesse os
fragmentos do Guevara com vidro e tudo.
Ele se levantou, e então o atingiram na cabeça com a coronha
de uma submetralhadora. Foi um golpe tão forte que Bino ouviu
o som de um osso quebrar-se. Caído no chão, de cara nos estilhaços
de vidro, Newton foi maldosamente chutado e batido.
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Seu apartamento havia sido totalmente revistado – em busca
de armas e de literatura subversiva. Esta gente certamente tinha
levantado a ficha do Bino e deviam saber que ele não era um
“subversivo”, mas temendo a sua morte deviam estar procurando
algo para também o incriminar.
Embora nada pudesse ter sido encontrado ali, isso não significava
nada, pois era muito comum o DOPS forjar falsas evidências e
Bino era o perfeito candidato.
Tommy, pelo fato de ser estrangeiro, não estava numa posição
muito confortável com o governo militar, contratou o mesmo advogado
para si próprio e para avaliar a condição em que Bino se encontrava.
Por enquanto, pelo que se soubesse nada havia sido “plantado”
em seu apartamento.
Newton, porém, havia desaparecido, e não se sabia do seu
paradeiro. E versão oficial era de que ele havia fugido. Mas,
prevalecia o pensamento de que ele estava morto, tendo o
DOPS eliminado qualquer evidência do ocorrido, inclusive
dando sumiço ao corpo do rapaz.
Como Bino era uma testemunha ocular do crime, ele corria
grande perigo.
O advogado disse que o pessoal do DOPS já começava a
referi-se a ele como com cúmplice do Newton - e ele tinha se
tornado um arquivo a ser queimado.
Então o Bino sumiu também.
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Uma circular foi emitida no estado de São Paulo para a prisão de
Bino. Através de companheiros maçons, Tommy deu um jeito junto
a Policia Federal e um passaporte de Bino rapidamente lhe foi
enviado, através do estado do Espírito Santo. O passaporte foi
emitido antes que uma cópia da circular chegasse naquele estado
e não deixaram vestígios sobre a emissão do tal passaporte.
O pastor Haroldo informou a Tommy que os Consulados Americanos
e a Embaixada em Brasília estavam cheios de agentes secretos da
CIA. Ele disse a Tommy, em resumo, que um agente americano da CIA,
de nome Dan Mitrione, tinha vindo para dar um treinamento ao DOPS.
Mitrione era perito em extrair confissão até de gente morta; era um
psicopata e torturador profissional, calejado da guerra fria e agora
transferia parte de sua propriedade intelectual para o Brasil.
Tommy não podia confiar no Consulado dos Estados Unidos, pois
estava também comprometido. Ele podia somente falar com o seu
amigo, o Adido Comercial, que era bem próximo do vice-cônsul.
À surdina, os dois cuidaram dos Termos de Responsabilidade
assumidos pelo Rev. Tommy para que Bino entrasse e permanecesse
nos Estados Unidos.
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O Consulado, através do adido, expediu então a Bino um visto
americano para estudante e no seu passaporte carimbaram uma
Visa F-4, válida por cinco anos.
Uma vez resolvidas todas essas questões, surgiu inesperadamente
outro problema. Uma passagem de avião num vôo internacional, que
levasse Bino para fora do Brasil, precisaria ser desembaraçada
antecipadamente pela Policia Federal. Além disso, era necessário
um Atestado de Idoneidade Política antes que o DOPS carimbasse
a passagem com a expressão “válida para viagem” estabelecendo
o dia e a hora da partida.
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Os que morriam nada podiam falar, e os loucos não tinham credibilidade
alguma, ao mencionarem os tormentos por que haviam passado.
O caso de Mitrione e a CIA ter sido exposto pelos jornais, bem como a
notícia de frei Tito ter sido preso e torturado, e ainda o caso de um
estudante de engenharia desaparecer sem possuir antecedentes
políticos ou criminais, tudo isso fez com que os militares passassem
a pressionar o DOPS a pôr ordem em toda aquela embrulhada.
A Gestapo Tropical pretendia “queimar o arquivo” que Bino era.
Pois ele sabia demais e precisava “desaparecer” antes de tornar-se
um caso de grande repercussão.
Haroldo conseguiu fazer com que Bino fosse levado a amigos de
amigos que providenciaram uma caminhonete para levá-lo até para
fora do Brasil de carro. A fronteira escolhida foi em Uruguaiana,
uma tríplice fronteira entre Brasil Uruguai e Argentina.
Decidiram sair para a Argentina. Percorreriam quase dois mil
quilômetros e lá chegando, o plano seria que Bino entrasse naquele
país passando pela Ponte da Amizade sobre o Rio Uruguai que ligava
a cidade de Uruguaiana a de Passo de Los Libres. Pela ponte havia
sempre um grande trânsito de pedestres, onde tanto argentinos como
brasileiros passavam sem a apresentação de documentos.
A caminhonete o deixaria em Uruguaiana; Bino atravessaria
a ponte com a sua mochila e seus documentos do Brasil.
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