A noite vários estudantes se reuniram no quarto do Bino, trouxeram uma garrafa de pisco, que era aguardente de uva, um violão e começaram a cantar músicas chilenas e forçaram Bino a cantar algumas músicas de Jobim e a bossa do Vinícius, Garota de Ipanema.
O consenso geral dos novos amigos do Chile era para Bino sair bem apressado de Santiago e se possível do Chile. A despedida foi até as 03h00min e depois de um café da manhã rápido, as 08h00min Bino já estava pedindo carona em direção a Carretera Pan Americana, indo em direção norte, para o Peru, e havia pouco movimento de carros, e os poucos veículos na estrada não paravam para ele.
Bino andou mais de 20 quilômetros até às 14h30min, já estava na Estrada Pan Americana indo norte, dezenas de carros e caminhões passaram por ele e ninguém parava. Ele estava exausto, seus pés doidos e inchados, suas pernas exaustas, seus ombros feridos pela alça da mochila, mas ele seguia andando temendo que se, parasse, poderia ser recolhido pela Policia Militar para investigação.
O solzinho da tarde fria se escondia rápido e em breve viria à noite, mais carros passavam e continuavam a ignorar o Bino, um caminhão e duas camionetes até chegaram a diminuir a marcha como se estivessem relutando em parar, mas quando Bino corria até eles, como que se mudassem de idéia, os motoristas aceleravam e seguiam viagem. Outros passavam por Bino, visivelmente chateados por não poderem ou não terem coragem de parar, mas seguiam viagem mesmo assim. A grande maioria dos carros ia à direção norte e aparentemente poucos queriam estar em Santiago. Alguma coisa deve estar bem errada na capital, pensou Bino. Talvez os motoristas estivessem com medo de pegarem um terrorista ou fugitivo com uma mochila nas costas fugindo da capital.
Então Bino se lembrou de uma bandeira brasileira que tinha ganhado dos Lewaschins em Passo Fundo. Ele abriu a mochila, tirou a bandeira que estava cuidadosamente dobrada, a abriu, e com ela começou a fazer sinal para os carros agora identificando a sua nacionalidade.
Já caia a tarde quando Bino viu um tipo de lotação, que os chilenos chamam de micro; era um Chevrolet 1956, mas sem identificação ou placas designando seu destino.
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Pararam num posto de gasolina e restaurante. Lucho desceu rápido para comprar balas de hortelã para esconder um pouco do cheiro de álcool. Atrás dele, desceu o Pablo, seu escudeiro fiel. Dr. MacLean desceu se espreguiçando e esticando as pernas, Professor Luiz em seguida e esperou Bino descer também e disse a ele:
– Você é parte da expedição.
– Muito obrigado.
Em seguida o professor deu uma tapinha no ombro de Bino, sorriu e disse:
– Está ficando tarde e vamos é comer aqui; e aproveitaremos agora tomar um bom café que não seja de vidro, disse ele rindo, se referindo ao café instantâneo do ônibus.
Após o jantar, Bino foi ao toalete e se espantou porque o local, apesar de ser bem adequado e moderno não tinha teto. Depois Dr. Gastón lhe explicou que praticamente nunca chovia em La Serena.
Estacionaram o ônibus em uma área reservada ao pernoite de caminhoneiros, fecharam as cortinas e se preparam para dormir. No ônibus ensinaram a Bino como montar a sua cama. Levantou o encosto do assento atrás da mesa de estudo do professor, e puxou uma armação de ferro e lona tipo maca, e deu para ele se acomodar.
La Serena era quente durante o dia e bem frio à noite. Da janela entrava uma brisa quente do mar misturada com golfadas frias da noite, mas no final prevaleceu o frio, o ventinho gélido dos Andes e do deserto. Bino colocou o alarme para as cinco para preparar o café e a partida para o deserto seria as 05h30min, hora de começar o dia na expedição.
As cinco, numa mesa de alumínio desmontável, Bino já bombeava o fogão de querosene pressurizado, água fervia para o café instantâneo com leite desidratado em lata, cortou uns tomates, fritou ovos com bacon e quando desceram do ônibus já havia sanduíches de tomate e bacon, ovos fritos e café. Elogiaram o café forte do Bino, comeram no ônibus, foram ao banho e as quinze para as seis estavam na estrada em direção ao deserto de Atacama.
O Professor dirigia feliz como um menino em férias. Falava muito das táticas de levantar as pedras e rapidamente passar a peneira nas areias que estavam encobertas e peneirando-a poderia encontrar insetos. Poderia ser até uma formiga bem conhecida, tudo tinha que ser catalogado e o local de captura devidamente marcado. Muito cuidado com os escorpiões que também gostavam de ficar debaixo das pedras.
Em meia hora saíram da Carretera Pan Americana, rumo leste em uma estrada de pó de pedra e duas horas depois montaram acampamento à sombra de uma grande construção que foi um grupo de minas de cobre abandonadas pelos ingleses há mais de meio século . Bino ficou surpreso com a relativa conservação dos edifícios e equipamentos pesados abandonados no deserto.
Ao redor das minas, começariam a procurar novas espécies de insetos.
Professor Luis dirigia animado, parecia um adolescente. Mas mesmo assim não esqueceu o seu profissionalismo. Ele explicou a Bino bem detalhadamente os procedimentos de segurança no deserto: Lucho e Pepe explicaram a Bino no local como passar a peneira rapidamente ao remover a pedra, a estar atento para escorpiões, deram a Bino um par de luvas para o trabalho, enquanto o Professor. Luiz explicava ao Dr. Gastón o mesmo procedimento.
Os escorpiões também deviam ser capturados, catalogados e depois imersos em frascos com formaldeído, mas somente pelos assistentes. Havia poucas serpentes no local, mas mesmo assim no ônibus tinha soros antiofídicos, antiaracnídio e antiescorpiônico, na geladeira.
Novamente o Professor alertou o grupo a usar luvas, tênis e meias grossas todo o tempo. Frisou que o grupo deveria sempre trabalhar próximos de tal modo que todos possam ver todos a qualquer momento. Todos tinham que ter uma cantina sempre cheia d’água com eles todos os momentos e estar sempre bebendo água, com sede ao não. Disse que não queria ver ninguém de volta ao ônibus de cantina cheia.
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Dr. MacLean sempre falava ao Bino sobre a complexa marcha do Chile para encontrar a sua autodeterminação: a Espanha colonialista estava tão ocupada em encher seus navios com o abundante ouro do Peru que aparentemente não deu atenção aos minerais do Chile e o relegou a ser uma colônia pastoril e agrícola para alimentar a Vice-Realeza do Peru.
A independência do Chile foi muito problemática por também terem problemas de fronteira com a Bolívia, Peru e Argentina. Foram muitas lutas e os líderes chilenos Juan Martinez Rozas e Bernardo O’Higgins somente a obtiveram em 12 de Fevereiro de 1818.
Mas a paz durou pouco. Em 1879, Chile foi atacado por uma aliança de Bolívia e Peru, conflito este chamado A Guerra do Pacifico, e os derrotou somente em 1884. Mas o troco veio: Chile tomou do Peru as suas terras ricas em minerais na fronteira do norte e tomou da Bolívia o seu corredor para Atacama, que lhe dava acesso ao Oceano Pacifico – tornando-a um país central.
A expedição entomológica agora pesquisava o deserto nas áreas do norte, perto de Vallenar e Copiapo e depois foi para Antofagasta e Iquique e ficou duas semanas nas redondezas de Arica onde seis novas espécies foram encontradas.
Algumas vezes o grupo ficava até cinco dias no deserto, só voltando a cidade para encher os tanques de água, re-suprir o ônibus e em alguns finais de semana acampar numa bonita praia do Pacifico, mas suas águas eram frias e Bino não gostava de nadar nelas, preferindo o calor do deserto, suas tardes de dramáticos por-de-sol, suas noites cristalinas, estreladas e frias e seu silêncio tão profundo que por vezes parecia gritar. No silêncio do deserto as vívidas discussões existenciais do Dr. MacLean e do professor Luis, pareciam muito mais inteligíveis.
Quando uma noite estava mais fria eles punham uma lona presa no topo do ônibus e levantada por estacas na areia. Sentavam-se em cadeiras de lonas desmontáveis postas debaixo do toldo, acendiam um fogo, acompanhados pelo violão do Lucho cantavam cuencas ou bossas novas.
Tornou-se também um hábito deitarem-se na areia do deserto, antes de irem dormir, sob as luzes das estrelas e do luar, que eram tão intensas ali, que dava para ver os Andes, com seus picos cobertos de neves perenes, e o mar de areia, como um sonho, tornava-se prateado.
A Jornada de Bino, exceto quando com sua família em Buenos Aires, foi tensa e dificultosa, mas o deserto o acalmava muito e era um bálsamo para sua alma.
A expedição lhe dera uma paz diferente, entre gente inteligente e amiga, e no deserto ele sentiu uma solidão aconchegante. No deserto ele não necessitava de mantras, cantos e rezas, nem de exercícios mentais. O deserto trazia uma paz profunda, entre suas areias, pedras e dunas ele se sentiu em comunhão, o cântico da solidão lhe dava paz, as estrelas, os astros e a lua pareciam lhe unificar com o universo, e ele pode entender porque Jesus e alguns profetas buscavam paz na solidão dos desertos. Bino começou entender porque Saint-Exupery colocou o Saara como seu ponto de encontro com o Pequeno Príncipe e assim como o autor francês, Bino começou também a amar o deserto.
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Si no me raya la memoria el professor Luis Pena Gusman, fellecio en Santiago hace algunos anos. Lo conoci bien, vivia enuna casa acerca de Santiago, media rara, tipo contruccion de el Corbusier.
ResponderExcluirJose
Sim. O professor Luis Pena Guzman e o ornitologista Gaston McLean, estvam realmente nessa "expedicao" cientifica. Talvez as coisas estivessem quentes para eles tambem em Santiago. Com o Lucho aprendi a cantar varias Cuencas Chilenas - e a que nunca me saiu da cabeca foi a "Se Vas Para Chile". Um abraco, Semper Fidelis do Bino e do Sam de Mattos
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